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01 maio, 2009

Muito canibalismo para um só dia

Acabo de ver o The Silence of the Lambs pela primeira vez. Confesso que há cenas bem perturbadoras, tão perturbadoras que podem até comprometer o churrasco do almoço de amanhã. Se eu por acaso vislumbrar Clarice Starling tentando salvar um cordeiro (ou tentando roubar minha carne), terei como consolo o fato de estar, bem, vendo Clarice Starling. Quando já me supunha livre de canibalismos, começa a tocar Cannibal's Hymn, cujo refrão acredito ter sido escrito para a Starling:
But if you're gonna dine with them cannibals
Sooner or later, darling, you're gonna get eaten
But I'm glad you've come around
here with your animals
And your heart that is bruised but bleating
And bleeding like a lamb

31 agosto, 2008

Sailing to Byzantium

THAT is no country for old men. The young
In one another's arms, birds in the trees
- Those dying generations - at their song,
The salmon-falls, the mackerel-crowded seas,
Fish, flesh, or fowl, commend all summer long
Whatever is begotten, born, and dies.
Caught in that sensual music all neglect
Monuments of unageing intellect.

An aged man is but a paltry thing,
A tattered coat upon a stick, unless
Soul clap its hands and sing, and louder sing
For every tatter in its mortal dress,
Nor is there singing school but studying
Monuments of its own magnificence;
And therefore I have sailed the seas and come
To the holy city of Byzantium.

O sages standing in God's holy fire
As in the gold mosaic of a wall,
Come from the holy fire, perne in a gyre*,
And be the singing-masters of my soul.
Consume my heart away; sick with desire
And fastened to a dying animal
It knows not what it is; and gather me
Into the artifice of eternity.

Once out of nature I shall never take
My bodily form from any natural thing,
But such a form as Grecian goldsmiths make
Of hammered gold and gold enamelling
To keep a drowsy Emperor awake;
Or set upon a golden bough to sing
To lords and ladies of Byzantium
Of what is past, or passing, or to come.

Minha intenção original era falar do filme dos Cohen (que a essa altura já popularizou, ou algo perto disso, o poema acima) mas, como geralmente ocorre, resolvi desviar o tema. Revendo o post em que colei poemas do Yeats (aqui), percebi que não colei esse, não sei bem por quê. Detesto ter que admitir, mas só fui reparar que ele tinha algo de especial depois de ver o filme. Um pretexto possível é que a temática se repete em vários outros poemas; outro, mais plausível, é que sou um leitor distraído de poesia. Mas vá lá.

Também é estranho eu não ter reparado nele porque o tema da velhice me interessa (nós não entendemos os mais velhos e o mais velhos, ao menos os que têm algo na cabeça, se envergonham pelos jovens). O velho-narrador, tanto no poema quanto no filme, prefere não passar julgamento sobre o mundo atual e simplesmente se declara incompatível com ele. Bom ou ruim, o certo é que our country não tolera mais a velhice, ou os velhos modos. A única passagem do poema em que o narrador ensaia uma objeção é o final da primeira estrofe: caught in that sensual music, all neglect monuments of unaging intellect. Todo o espetáculo da vida e da corruptibilidade da vida (whatever is begotten, born, and dies), apesar de muito bacaninha, pode nos levar a esquecer o que há de incorruptível, eterno, espiritual etc.

Nesse contexto o velho é coisa insignificante, mero declínio de algo que deve por força recomeçar. A menos, é claro, que um grande esforço (espiritual, já que a essa altura não se pode mais depender do corpo pra nada) seja empreendido no sentido de superar a decadência da matéria: unless soul clap its hand and sing, and louder sing. O problema é que a juventude, a mesma que tendia a negligenciar os monumentos do eterno, está fadada a falhar pois, segundo o narrador, não há escola para semelhante matéria que não o estudo das coisas mesmas que eles negligenciam: nor is there singing school but studying monuments of its own magnificence. É por isso que o velho decide ir para Bizâncio, espécie de monte Parnaso aos que têm sede do eterno. Bizâncio aparece em vários outros poemas do Yeats como símbolo de fertilidade cultural, mas nesse em particular (não lembro se é o único) há que considerar também seu aspecto sagrado: the holy city of Bizantium.

Na terceira estrofe começa a oração do narrador, que vai até o final do poema. Aqui a intenção é livrar-se de vez das vestes mortais (this dying animal) com o auxílio dos sábios da cidade. Na última estrofe o distanciamento é completo, não só do que é humano mas de tudo que é mortal: I shall never take my bodily form from any natural thing. Graças a um esclarecimento do próprio Yeats ficamos sabendo a que se refere a alusão a um imperador sonolento: "I have read somewhere that in the Emperor's palace at Byzantium was a tree made of gold and silver, and artificial birds that sang." Parece claro que o objetivo final do narrador é sair da esfera de influência do tempo, a ponto de ele mesmo poder passar a vida a falar das desventuras daqueles que não tiveram a mesma sorte: to sing... of what is past, or passing, or to come.

E o filme? O filme (ou melhor, o livro de Cormac McCarthy em que ele é baseado) serve como reconhecimento do fato de que a preocupação dos 'bons', hoje, é antes de tudo sobreviver. Queixar-se de falta de sofisticação cultural ou de falta de consideração pelos mais antigos ja é coisa bem pueril nesse contexto. Tommy Lee Jones, o 'velho' do filme, diz não saber o que pensar de tanta violência, mas já não são só os velhos que não sabem. É engraçado observar como qualquer preocupação, para se dizer moderna, transforma-se numa questão de sobrevivência. Pelo menos em termos de imaginação os primitivos somos nós.

24 junho, 2008

Fight Club

Inventei de rever esse filme ontem porque me asseguraram que ele seria mais que simples diversão (como se isso fosse ruim). Cheguei à mórbida conclusão de que ou ele é tomado como simples diversão ou estamos danados.

Quando nos informamos sobre a impressão que o filme deixou nas pessoas, em adolescentes principalmente, percebemos que ela é quase sempre de concordância irrestrita. O próprio narrador (Edward Norton) diz que é 'dificil discordar' da lógica de Tyler Durden quando este ameaça a vida de um balconista que não seguiu seu sonho de ser veterinário. Quando a seita passa a arquitetar pequenos atentados terroristas, a sensação de 'ops, fomos longe demais' só aparece quando um membro do grupo (Bob) é baleado.

Não li o livro de Chuck Palahniuk que deu origem ao filme e por isso não sei até que ponto vai a 'redenção' final do narrador. No filme, ela é meramente instintiva: destruir prédios corporativos, depredar patrimônio público e vandalizar a cidade é 'demais', devemos parar. O filme consegue o prodígio de fazer com que a audiência simultaneamente concorde com Tyler Durden até o final e simpatize com o 'basta' do narrador. Quem está errado, afinal?

Mais ou menos como quem lê Crime e Castigo e se esquece da segunda parte (o castigo), quem vê esse filme tende a só lembrar a revolta de Durden. Se nos pedissem uma citação que define o filme:
Man, I see in Fight Club the strongest and smartest men who've ever lived. I see all this potential, and I see it squandered. God damn it, an entire generation pumping gas, waiting tables; slaves with white collars. Advertising has us chasing cars and clothes, working jobs we hate so we can buy shit we don't need. We're the middle children of history, man. No purpose or place. We have no Great War. No Great Depression. Our Great War's a spiritual war…our Great Depression is our lives. We've all been raised on television to believe that one day we'd all be millionaires, and movie gods, and rock stars. But we won't. And we're slowly learning that fact. And we're very, very pissed off.
Não digo que essa memória fragmentária não faz justiça ao filme: a revolta de Durden é realmente a parte mais atraente do filme (assim como o crime de Raskolnikov é a parte mais atraente do livro), ou, como eu dizia no início, boa diversão. A partir do momento em que se quer tratá-la como algo mais, surge uma série de perguntas meio enfadonhas e totalmente óbvias, do tipo: 'por que os membros do Fight Club são the smartest men who ever lived?' 'O que impede homens tão inteligentes de deixarem de ser frentistas ou garçons?' 'Qual seria uma ocupação digna no entender de alguém cujo maior feito é coordenar uma seita terrorista?'

A guerra deles (membros do Fight Club) não é bem espiritual, ou melhor, eles apenas gostariam que ela fosse. O culto à resistência à dor tenta, creio eu, emprestar algum elemento de ascetismo oriental, mas a pancadaria funciona muito mais como válvula de escape do que como princípio disciplinador. Isso fica claro quando lembramos que o narrador passou a dormir como um bebê depois que criou o clube.

A impressão final é a de que todo o desenrolar do filme é consequência de uma maciça crise de ennui do narrador. A negação do material (a princípio a crítica ao materialismo cego é simpática aos olhos de qualquer pessoa normal) não os leva à afirmação do espiritual, mas à negação de tudo. Como pode alguém ser avesso ao materialismo ao mesmo tempo em que confessa que o mundo se resume à matéria? É a teologia do nada, vulgo niilismo. O pior é que esse tipo de coisa ainda nos impressiona.

03 abril, 2008

Com Humor

Estava lendo um artigo sobre aborto e o sujeito mencionou o filme Juno por algum motivo. Resolvi ver. O filme é engraçadinho, e ainda não sei se isso é bom ou ruim.

Confesso que nunca conheci uma menina que tenha ficado grávida aos 16 anos; provavelmente não conheço ninguém que conheça. Convivi por um ano com adolescentes americanos de 17, 18 anos mas era um grupo bem restrito. No filme, o que mais me espantou foi a reação da Juno ao descobrir que estava grávida. Ligou pra uma amiga e a amiga já foi perguntando se queria que ela ligasse pra clínica de aborto. Tudo mais ou menos natural e automático.

Resolvi ver o filme porque ouvi dizer que Juno desistia do aborto quando lhe diziam que um feto de 2/3 meses já deve ter unhas. Imaginei logo algum tipo de crise de consciência, uma exegesezinha moral ainda que em nível infanto-juvenil (parece que a roteirista ganhou o Oscar -- estaria eu exigindo muita coisa?). Haja burrice! É claro que não se sabe ao certo por que Juno desistiu da idéia (o filme não está interessado nisso), mas ela explica a decisão pra amiga lembrando que a clínica cheira a consultório odontológico e que a recepcionista é pervertida.

Posso estar errado, mas esse é mais um daqueles filmes cuja mensagem principal se reduz a 'sejamos doidinhos e divertidos, mas com limites'. A idéia é que, por mais irresponsável que a pessoa seja, tudo vai dar certo no final se ela for do 'bem', tiver boas intenções etc. Juno é bem simpática, tem umas tiradas engraçadas; está claro que ela é do bem.

O problema com esse tipo de raciocínio é que, quanto mais ele avança, mais se perde a capacidade de definir critérios para o que é certo e errado, bom e ruim etc (ou, o que é pior, os critérios passam a ser de uma puerilidade assustadora, podendo ser substituídos sem muita cerimônia). Isso é visível no filme inteiro: o pai adotivo que Juno arranja pro seu filho é legal porque toca guitarra, gosta de filmes de terror e é simpático. A mãe adotiva, que é quem está realmente interessada na adoção e lê a torto e a direito sobre parenting, aparece como um incômodo, uma esquisitona. Num momento emblemático do filme, em que Juno vai visitar o Mark, o pai adotivo, esse último declara aliviado: 'we're free', isto é, Vanessa, a mulher dele, não se encontra em casa. Já consigo perceber os olhares acusatórios: é exagero, paranóia, teoria da conspiração; Mark só quis dizer que estavam livres pra conversar bobagens. Pode até ser. Mas o restante do filme me permite essa extrapolação de picuinhas.

A essa altura é natural perguntar: onde estão os pais de Juno, o que eles acham disso tudo? Juno fica ansiosa antes de contar tudo a eles; chega a implorar clemência! Não sei se isso foi a sério ou apenas uma genuflexão aos tempos em que esse medo todo realmente faria sentido. Depois de poucos segundos e alguns suspiros o pai de Juno já fazia piada com o pai do pequeno indesejado ('não imaginava que ele seria capaz...'). É isso aí: com humor a gente se ajeita.

07 novembro, 2007

A Profundidade de Ingmar Bergman

Ingmar Bergman (1918-2007) morreu há alguns meses e ninguém parece tentado a negar sua mestria enquanto filmmaker. Realmente seria difícil encontrar um cineasta capaz de criar com tanta frequência cenas memoráveis como a que é mostrada acima, d'O Sétimo Selo (1957), em que Antonius Block desafia a Morte para um jogo de xadrez, ou a sequência inicial de Morangos Silvestres (1957), em que o ancião Dr. Borg se vê sendo puxado pelo próprio cadáver, ou a rápida passagem de tanques de guerra peja janela do trem em O Silêncio (1963), ou os últimos momentos de Gritos e Sussuros (1972), quando toda a pesada melancolia que permeia o filme se dissipa com a serenidade do rosto de Agnes.

Mas e a tão alardeada 'profundidade' de Bergman, seria ela real? Que querem dizer com profundidade, afinal? Certamente se referem à temática tão recorrente em Bergman: a religião, o sentido da vida, a perspectiva privilegiada da velhice, o desencanto com a vida terrena, a incomunicabilidade das angústias modernas etc. Citam-se duas ou três figuras de renome (os preferidos são Kierkegaard e Kafka) e já temos aí todos os ingredientes para uma obra 'profunda'. A criação de atmosferas sombrias e coerentes com a temática abordada é, quem poderia negá-lo?, nada menos que genial: em O Silêncio os personagens, provavelmente fugindo da guerra, vão parar num país cuja língua é completamente desconhecida (trata-se de uma invenção do próprio Bergman). A sensação é de completa incomunicabilidade, a despeito de Ester ser, muito caracteristicamente, uma afamada tradutora de literatura. O silêncio familiar, atípico por si só, chega a um paroxismo com o afastamento do mundo exterior. Em Morangos Silvestres Dr. Isak é examinado por um inspetor que parece ter acabado de sair dum livro de Kafka: o primeiro teste consiste em ler ler uma inscrição em língua desconhecida no quadro-negro.

Se é mesmo verdade (como eu acredito que seja) que Bergman tem um talento aparentemente insuperável para a evocação imagética, resta saber o que ele tem a nos dizer sobre as questões levantadas com certa recorrência em seus filmes. Infelizmente, não muito. Isso já fica claro nesse que é considerado seu melhor filme, O Sétimo Selo. O cavaleiro medieval Antonius Block, confrontado com a Morte em pessoa, parece mais do que nunca interessado em conhecer a natureza divina, se é que ela existe. Pressiona a própria Morte, coitada, a contar seus segredos, se é que há segredos. Questiona inclusive uma menina que será queimada por alegar ter visto o diabo -- Deus existe (certamente o demônio saberá informar)? poderei vê-lo? para onde vamos? A impressão que dá é que Block seria uma pessoa completamente diferente caso lhe entregassem, mui candidamente, uma fotografia de Deus. É claro que Bergman já sabe, ou acredita saber, a resposta a todas essas perguntas. Em suas próprias palavras (The Magic Lantern - An Autobiography): ''You were born without purpose, you live without meaning... When you die, you are extinguished.''

Todo o dilema religioso da obra de Bergman (da pequena parte que eu conheço, é claro) é de uma ingenuidade tal que ele se nos afigura mais verdadeiro quando é expresso por uma criança -- o Alexander de Fanny e Alexander (1983), um garoto de 12 anos inconformado com o fato de Deus ainda não ter mandado matar seu padrasto assassino. "Se Deus existir, eu gostaria de dar-lhe um chute na bunda. Ninguém pensa!", diz o jovenzinho incrédulo. Quem nunca passou por semelhante dilema existencial durante a primeira adolescência? Esse poderia ser um dos casos mais fantásticos de ironia involuntária da história do cinema.

Mas e se Deus não é uma realidade confiável, se o máximo que conseguimos ao procurar esse tipo de segurança é frustração, o que resta? Uma infância traumatizada por uma religiosidade opressiva, é claro. Janer Cristaldo que o diga. Mais uma vez citando de sua autobiografia (retiro os trechos da hagiografia publicada por Woody Allen no NY Times por ocasião da morte de Bergman; clique aqui para ler): ''Most of our upbringing was based on such concepts as sin, confession, punishment, forgiveness and grace... This fact may well have contributed to our astonishing acceptance of Nazism.'' Quem souber conciliar confissão, perdão e graça ao nazismo que me avise, fazendo favor. Restaria algo mais? Há tambem o carpe diem, último refúgio dos ateus. Ele está presente em todos os filmes de Bergman que vi até agora: na anamnese da infância de Dr. Borg, na serena resignação de Agnes, na satisfação com que Antonius Block se delicia com morangos silvestres e leite fresco junto aos amigos e no discurso prafrentex do tio beberrão e mulherengo de Fanny e Alexander.

O vazio existencial de Bergman é provavelmente o mais atraente que já vi no cinema. Isso não significa que deva ser rejeitado com menos veemência.

13 outubro, 2007

Mais Cinema, Menos Hitchcock

Três outras recomendações:

1. Sunset Blvd. (Crepúsculo dos Deuses) - 1950, Dir. Billy Wilder

O roteirista Joe Gillis (William Holden) foi tentar a sorte em Hollywood e está prestes a perder o carro e o apartamento por causa das dívidas acumuladas. Fugindo de seus credores, acaba furando o pneu e entrando inadvertidamente na driveway de uma musa do cinema mudo, hoje esquecida: Norma Desmond (Gloria Swanson). Gillis descobre que a ex-estrela, além de meio maluca (e milionária), pretende voltar às telas com um roteiro de Salomé escrito e interpretado por ela mesma. O roteiro, claro está, é um desastre, mas Gillis, precisando do dinheiro, promete editá-lo e tentar a sorte em algum estúdio. Norma se apaixona por Gillis e Gillis se apaixona pelo dinheiro de Norma, situação que os mantém juntos por algum tempo. A obsessão de Norma por si mesma (há fotos dela espalhadas por toda a casa, e o novo casal assiste sempre aos mesmos filmes -- os filmes dela, é claro) a impede de enxergar que, em verdade, já foi esquecida pelos fãs desde há muito. As cartas que ainda recebia eram escritas por ninguém menos que seu fiel mordomo, o sinistro Max von Mayerling (Erich von Stroheim). Max, com seus cuidados igualmente obsessivos, é o verdadeiro responsável pela sobrevivência da ilusão de grandeza de Norma.

O crescendo obsessivo de Norma é uma das sequências mais geniais que já vi no cinema. Quando descobre que Gillis tem encontros periódicos com Betty (Nancy Olson), resolve confrontá-lo e Gillis, ciente da patifaria que anda fazendo (Betty era também comprometida), decide voltar para sua pequena cidade em Ohio. Norma, desesperada, dispara três vezes e Gillis mergulha, já morto, na piscina que sempre quis ter por mérito próprio. Na imagem que vai acima, policiais e jornalistas já chegaram à sua mansão para apurar o assassínio. Norma, com a ajuda do sempre fiel Max e das luzes e câmeras, acredita estar num estúdio outra vez, interpretando a famigerada Salomé. Desce a escadaria convicta de que a cena é real, a despeito dos muitos que estão recostados na balaustrada. Se não pôde pedir a cabeça do amante é porque ele já estava morto na piscina.

2. A Streetcar Named Desire (Um Bonde Chamado Desejo) - 1951, Dir. Elia Kazan

Baseado na peça homônima de Tennessee Williams, esse é um dos primeiros filmes do Marlon Brando, que aqui interpreta o embrutecido Stanley Kowalski. O filme começa com a chegada de Blanche (Vivien Leigh) -- irmã de Stella (Kim Hunter), mulher de Stanley -- à casa dos Kowalski. Desde muito cedo Stanley desconfia que há algo de estranho por trás da pose de dondoca da quase quarentona Blanche. Afetando pureza e old-fashioned ideals, descobrimos em tempo que ela era dada às mais escandalosas libertinagens em sua cidade, de onde teve de 'fugir' por já estar mal falada. Quando Stanley descobre tudo e destrói a possibilidade de Blanche casar-se com seu amigo Mitch (Karl Malden), a coitada perde de vez o juízo: acaba acreditando nas próprias mentiras e fica à espera de um milionário imaginário, antigo admirador seu, quando em realidade quem chega é a enfermeira do hospício.

Não se sabe ao certo por que Blanche tomou o caminho da vadiagem. No filme, menciona sempre a morte de um grande amor da juventude -- refere-se a ele simplesmente por the boy --, que teria se suicidado por conta de uma 'fraqueza' não explicada. Informam-que, na peça de Williams, há a sugestão de que o amorzinho de Blanche estava mais pra girl que pra boy: seria homossexual. Esse detalhe teria sido barrado do filme por conta da censura. Com ou sem censura, o fato é que a origem das perturbações de Blanche parece ser muito mais de ordem moral que afetiva.

3. The Good, The Bad & The Ugly (Três Homens em Conflito) - 1966, Dir. Sergio Leone

O que há de mais admirável em westerns (além da capacidade que todos parecem ter de acender fósforos nos locais mais inusitados, como sola do sapato, na própria mão ou em árvores) é a impressão de que, por mais longe que estejamos da 'civilização', há sempre uma espécie de lei a que se pode recorrer. Coloquemos três bandidos sanguinários -- Blondie, the Good (Clint Eastwood); Angel Eyes (Lee Van Cleef), the Bad e Tuco (Eli Wallach), the Ugly -- em busca de um tesouro enterrado -- US$ 200 mil, uma fortuna incalculável pra época da guerra civil americana -- e ainda assim podemos esperar aquele cavalheirismo de uma época em que até a morte exigia certa cortesia. As cenas finais do filme devem seu ar de solenidade precisamente a isso. Se a lei não pode chegar até eles, eles carregam consigo a lei que criaram.

12 outubro, 2007

Cine Hitchcock

Depois de assistir a três filmes do Hitchcock quase em sequência, preciso me desintoxicar um pouco falando deles:

1. Rope (Festim Diabólico) - 1948

Que eu tenha visto, esse é o único filme do Hitchcock em que se procura dar alguma justificativa ideológica ao assassinato. Os jovens Brendan e Philip (John Dall e Farley Granger), inspirados pelo velho professor Rupert Cadell (James Stewart), resolvem matar o colega David por se acreditarem intelectualmente superiores e, portanto, parte integrante do grupo seleto de luminares para quem o assassínio não é crime, mas um 'privilégio'. Pra se certificarem de sua inteligência superior, resolvem dar uma festa (os pais e a namorada de David são convidados) no apartamento onde o crime foi cometido -- o corpo se encontra no baú sobre o qual o jantar é servido. O pedantismo exultante de Brendan é de tal maneira pronunciado que Rubert começa a desconfiar, e as expressões faciais de Stewart, nesses momentos de desconfiança, são aproveitadas como de costume, numa espécie de dress rehearsal para o Rear Window de 1954. A reação de Rubert ao descobrir tudo é a do intelectual minimamente honesto que finalmente tem de enfrentar o horror de suas crias ideológicas: uma espécie de epifania que jamais aconteceria não fosse a insistência com que o mundo real interfere no mundo das idéias. É pena que, como sói acontecer, foi preciso que uma desgraça abrisse o caminho em direção à verdade.

2. Dial M For Murder (?) - 1954

Aqui já estamos de volta ao tipo de crime mais comum em Hitchcock: o passional. Como diria o Chief Inspector Hubbard (John Williams), may God protect us from the gifted amateur! Ao descobrir que sua mulher Margot (Grace Kelly) tinha encontros amorosos com Mark Halliday (Robert Cummings), Tony Wendice (Ray Milland) resolve arquitetar, com a ajuda -- forçada -- de seu ex-colega de faculdade Swann (Anthony Dawson), o 'assassinato perfeito'. Esse filme foi claramente ressuscitado no A Perfect Murder, versão moderninha com Michael Douglas e Gwyneth Paltrow. Diferentemente do personagem de Douglas, a engenhosidade de Wendice é tamanha que fica difícil não bancar o advogado do diabo, ainda que isso signifique sacrificar o pescocinho da Grace Kelly. Principalmente porque os assassinos de Hitchcock costumavam aceitar como verdadeiros gentlemen a derrota quando a percebiam inevitável: geralmente com um gole de uísque. Oferecendo um trago para os seus algozes, é claro.

3. Vertigo (Um Corpo que Cai) - 1958

Stewart (Det. 'Scottie' Ferguson) está de volta, dessa vez ao lado de Kim Novak (no papel da possuída Madeleine Elster), para interpretar um detetive com acrofobia graças a uma perseguição que acabou com um seu colega caindo de um prédio de vários andares. Scottie resolve se aposentar depois do acidente, mas um antigo conhecido (Gavin Elster, por Tom Helmore) lhe pede que siga sua esposa Madeleine em suas estranhas peregrinações. Segundo Gavin, Madeleine 'recebia' periodicamente o espírito de uma misteriosa tataravó que cometera suicídio ao ser abandonada pelo marido. Scottie, ora vejam, acaba se apaixonando por Madaleine, que em verdade não era Madaleine: Scottie se envolveu com uma moça fisicamente idêntica a ela, contratada por Gavin para que ele pudesse assassinar sua mulher e dar ao caso aparências de suicídio -- inclusive com o testemunho de Scottie, que não pôde subir a torre (de onde Madeleine teria se jogado, quando em realidade foi empurrada) em função de sua acrofobia. Após a morte de Madeleine, Scottie encontra casualmente Judy Barton, comparsa de Gavin e sósia da finada, a mulher que ele de fato tinha perseguido nos últimos dias. A temática de espelhos, já recorrente no filme, ganha um aspecto ao sinistro quando Scottie insiste em que Judy se vista exatamente como Madeleine. A obsessão de Scottie em recriar eventos chega a tal ponto que, ao descobrir tudo, força Judy a subir a mesma torre de onde Madeleine teria se jogado, apenas pra perceber, contra a própria vontade, que tudo se repetiria com perfeição: inclusive a queda. E o ciclo se fecha outra vez.

14 agosto, 2007

A Oeste Daqui

Oeste para nós não significa muito mais que um dos pontos cardeais (ou a civilização ocidental, se o termo estiver em inglês). Para europeus e principalmente para americanos, a coisa é bem diferente. É curiosa a naturalidade com que eles associam idéias de aventura, recomeço e descoberta psicológica ao termo. Não à toa o brasileiro tende a receber com certa indiferença o formato western, enquanto Jorge Luis Borges dizia, se me não engano numa entrevista, que se quisermos encontrar qualquer resquício de heroísmo no cinema moderno devemos recorrer ao bom e velho western.

A noção de heroísmo tal como a entendiam os colonizadores da recém-fundada república norte-americana, ou, mais tarde, os forty-niners do gold rush na California (1849), já nos é pouco compreensível. Já é pouco compreensível até para os próprios americanos, apesar de a terminologia ter permanecido com os anos. Escrevendo pouco depois de 1831, Alexis de Tocqueville listou o ímpeto americano pelo novo e ainda intocado como um dos fatores que ajudariam a manter e a fazer crescer uma república democrática num território tão vasto. No primeiro volume do Democracy in America:
It would be difficult to depict the eagerness with which an American launches himself at this huge booty offered him by fortune. In order to pursue it, he fearlessly braves the Indian arrow and the diseases of the wilds; the silence of the woods holds no surprise for him, nor is he disturbed by the presence of wild beasts; he is constantly spurred on by a passion stronger than the love of life. Before him stretches an almost boundless continent and it is as though, already afraid of losing his place, he is in such a hurry not to arrive late.
É claro que essa urgência toda pode ser interpretada como uma simples ganância por terras, riquezas etc., mas o que Tocqueville deixa transparecer ao longo do texto é que esse aspecto aventureiro do homem (tão caro a ele próprio, um aristocrata francês!, assim como para Borges e a maioria dos chamados críticos da modernidade) foi reduzido a cinzas por todos nós. Em outras palavras, o homem deixou de arriscar sua vida por um ideal (por mais condenável que esse ideal seja) para usufruir da parafernália modernosa.

Como eu dizia, restou a terminologia. Isso ainda é facil de encontrar, principalmente em filmes e músicas. Um trecho da Stairway to Heaven, do Led Zeppelin:
There's a feeling I get when I look to the west,
And my spirit is crying for leaving.
In my thoughts I have seen rings of smoke through the trees,
And the voices of those who stand looking.
Ooh, it makes me wonder,
Ooh, it really makes me wonder.
Na Budapest, do Jethro Tull, uma das melhores músicas da história do rock:
I thought I saw her at the late night restaurant.
She would have sent blue shivers down the wall.
But she didn't grace our table.
In fact, she wasn't there at all.
Yes, and her legs went on forever.
Like staring up at infinity.
Her heart was spinning to the west-lands
and she didn't care to be
that night in Budapest.
Hot night in Budapest.
O Once Upon a Time in the West, western do Sergio Leone, acabou virando título de uma música do Dire Straits, que de resto já tinha lançado uma Wild West End um ano antes. Para o homem moderno o oeste voltou a ser apenas um ponto cardeal: no mínimo corremos o risco de perder uma boa metáfora.

05 maio, 2007

Documentário: Nadie Escuchaba

"Ninguém escutou" é o típico apelo do teórico da conspiração. Não é à toa que muitos ainda encaram a revolução cubana exatamente assim, como uma grande teoria da conspiração. Quando muito, admitem que houve algo de errado, deixando claro que os abusos não excedem o que se observa numa ditadurazinha qualquer. Chegará o dia em que tudo ficará claro (para quem quer, já chegou) e as justificativas terão de ser 'levemente' alteradas.

O que há de mais interessante no Nadie escuchaba, e não sei bem se é intencional, é o discurso incrédulo de alguns ex-revolucionários, hoje contra-revolucionários. A incredulidade permanece mesmo depois de 10, 15, 20 ou até 25 anos de prisão. São todos intelectuais, na acepção do termo que já discutimos aqui. Perguntam-se candidamente por que o PC russo, de que eram seguidores fiéis, não veio lhes socorrer enquanto estavam encarcerados. Creditam a desgraceira em que se tornou a revolução a um acidente de percurso, um detalhe que poderia muito bem ser evitado. Daí a incredulidade: não conseguem entender por que tiveram de sofrer por tanto tempo, já que tudo que fizeram foi discordar em algum detalhe com a alta nomenklatura do partido. Repete-se aqui, com uma homogeneidade quase monótona, o que já sabíamos da 'corte' stalinista: companheiros prendendo companheiros. Sob pena de irem também eles para o xadrez (ou coisa pior) caso mostrem alguma relutância.

O fascínio que os ideais revolucionários exerce nessa gente não se apagou mesmo depois de tantos anos. Podemos pensar num sentimentalismo inarredável (é o que Hayek sugere) para explicar tanta insistência. O mesmo ocorre com os intelectuais que assistem de fora... a lista é interminável. Foucault acompanhou com entusiasmo a experiência iraniana; Garcia Marquez e Saramago nada vêem de errado em Fidel, assim como Susan Sontag não via; Edmund Wilson não escondia sua admiração por Lenin, Hemingway tampouco; H. G. Wells e Bernard Shaw, a princípio, não viam risco algum na figura de Hitler; Harold Laski e E. H. Carr chegaram a elogiar entusiasticamente a URSS stalinista. Consumada a catástrofe, transferem suas esperanças para outra experiência macabra. Cuba foi, por muito tempo, a menina dos olhos de vários intelectuais desiludidos com as experiências soviética e chinesa. Não aprenderam nada.

04 maio, 2007

Documentário: Obsession

O documentário Obsession - Radical Islam's War Against the West tem a inestimável vantagem de contar com algumas figuras familiares (Daniel Pipes e Alan Dershowitz dentre elas), o que nos desobriga de confiar na opinião de alguns ilustres desconhecidos. A maior parte do documentário é dedicada à apresentação da propaganda radical islâmica: programas e comerciais da TV palestina, trechos de livros didáticos adotados por lá, discursos de líderes políticos e etc. Outra vantagem é que esse tipo de comportamento é colocado em sua devida perspectiva; ninguém ignora que os radicais estão em minoria. Daniel Pipes estima que entre 10 e 15% da comunidade islâmica seria simpática à idéia de jihad. Nada obstante, e essa é a impressão que se tem depois de algumas poucas imagens, a destruição que esses 15% podem perpetrar é bem considerável. Não só pelo contingente numérico (15% é uma sigla nada desprezível), mas pela obstinação com que essa minoria se entrega a devaneios antiamericanos, anti-semitas e antiocidentais em geral.

A desproporcionalidade do 'conflito' é aberrante. De um lado temos uma multidão de desvairados que gostariam de ver Bush, Blair e tutti quanti empalados e judeus queimando no inferno. Do outro vemos uma massa amorfa que nem sequer sabe direito por que é tão odiada e que se move cautelosamente para não ofender os outros. Eu mesmo, quando estive nos EUA, tive de responder a essa pergunta mais de uma vez: "Por que somos tão odiados?" Os antiamericanos do nosso lado responderiam com um simples "hipocrisia", mas os de lá nem sentem a necessidade de justificações tão 'racionais': diriam logo que os americanos são contrários à fé islâmica e que pecam só por existirem. Chegamos à estranha situação em que um mesmo fenômeno tem como causa duas coisas completamente diferentes.

Como dito acima, a ênfase é na propaganda. O documentário mostra as semelhanças entre a propaganda radical islâmica e a nazista: nada de muito novo aqui. Resta saber por que uma postura tão extremada não consegue, ou só consegue quando compilada num vídeo de 70 minutos, chamar nossa atenção. Numa das passagens mais interessantes do documentário, um doidivanas é filmado enquanto queima, aos berros, uma bandeira norte-americana. Enquanto pisoteia a bandeira, diz algo do tipo: "One of the loopholes in their constitution is that we're allowed to speak, so let us speak." Ou seja: eles estão perfeitamente cientes de que é um aspecto intrínseco à civilização ocidental que os permite prosseguir com o radicalismo. Eles não estão contanto, pelo menos não exclusivamente, com nossa burrice ou com nosso descaso; estão contando com nossa tolerância, uma tolerância que eles sabem não ter e que fazem questão de não ter, sob pena de se tornarem tão vulneráveis quanto nós.

Não deixa de mostrar certa superioridade moral o fato de uma civilização forjar os meios de sua própria destruição, mas convém não partir para o suicídio puro e simples. A tranquilidade bonachona com que repelimos qualquer perspectiva desagradável (algo a que o documentário se refere como the culture of denial) não é, muitas vezes, mais que as boas vindas a um suicídio longo e penoso. Em dado momento Tony Blair é mostrado dizendo algo do tipo: "Our will to uphold the values that are most sacred to us is stronger than their will to kill and to destroy." Espera-se que sim.

22 março, 2007

Spartacus (1960)

Crasso, interpretado por Laurence Olivier, e Júlio César, por John Gavin:

Júlio César: [...] Rome is the mob.

Crasso: No! Rome is an eternal thought in the mind of God.

Júlio César: I had no idea you'd grown religious.

Crasso: That doesn't matter. If there were no gods at all, I'd revere them. If there were no Rome, I'd dream of her. That's what I want you to do.

09 março, 2007

Intelectuais

O intelectual, na acepção moderna do termo, é uma criança à espera da salvação. O fenômeno não é novo: depois que desistiu da literatura, Tolstoi serviu de guru e líder espiritual para quem quer que fosse visitá-lo em Yasnaya Polyana. Transformou-se num 'intelectual' profissional. Das muitas encarnações do homem massa de Ortega, a mais irritante parece ser precisamente essa, a do intelectual sabe-tudo; o sujeito que, por ordem divina (ou infernal), deve ser ouvido com reverência sobre assuntos com os quais não têm a menor familiaridade. Crêem eles numa espécie de continuum mental que lhes assegura que competência em, digamos, literatura, é prova cabal de genialidade no comentário político ou na carpintaria.

Acabo de ver dois filmes que ilustram bem duas facetas periféricas do intelectual (ou político) profissional: o primeiro deles, o Interiors (1978) de Woody Allen, lida, intencionalmente ou não, com a chatice pura e simples. O resultado é que o próprio filme é insuportável. Num diálogo que durou 30 segundos (fiz questão de checar porque a primeira impressão foi de que durou 5 minutos), a personagem interpretada por Diane Keaton, com aquela carinha enjoada típica de poeta vegetariana, fala de como um de seus poemas, ao ser por ela reescrito para ser publicado numa revista, ficou excessivamente 'ambíguo'. E de como teria que reescrevê-lo uma vez mais. Para quem assiste ao filme (e para quem, como nós, não leu o poema), essa discussão tem o curioso particular de não significar absolutamente nada. Ao fim e ao cabo, a nossa única esperança é a de que ela venha, um dia, a trabalhar como garçonete, ou algo do tipo, para adquirir, quem sabe, algum senso de praticidade.

Alguns minutos depois a mesma personagem começa um bate-boca com o marido, também ele, ó céus, escritor. O marido está revoltado porque seu último livro não recebeu o devido reconhecimento da mídia. A reação imediata, como não poderia deixar de ser, é tomar um porre, gritar com a mulher, invejar o reconhecimento que a mulher tem, falar de como sua própria escrita perdeu o 'vigor', ou a 'originalidade', ou a 'modernidade', ou o 'encanto' que supostamente já teve. Além de tentar agarrar a cunhada, a atriz. Já a outra cunhada, cujo namorado é um agitador político que admira crianças que matam pela 'liberdade', vive uma crise existencial por não conseguir se expressar (seja através da fotografia ou da literatura) e acha que todo o talento da família foi herdado pela irmã (a poeta). A mãe, enquanto isso, está no hospital se recuperando de uma tentativa de suicídio: o marido a largou por uma gordinha serelepe.

Já estou rangendo os dentes só com a lembrança. Passemos para o seguinte. É o The Lost City (2005), dirigido e estrelado por Andy Garcia. É muito pouco provável que você tenha visto esse filme no cinema. Segundo me consta, ele só foi exibido, no Brasil, em algumas salas do Rio e de São Paulo, e ainda assim por poucas semanas. Entende-se logo o porquê: trata da revolução cubana e não retrata Guerava e Castro com muita simpatia. Cumpre ressaltar, e esse parece mesmo ser o aspecto mais interessante do filme, a facilidade com que a juventude é seduzida pela utopia revolucionária, ainda que haja quem os alerte para a besteira que estão prestes a fazer. Em dado momento, a namorada de Fico Fellove (interpretado por Garcia), já irremediavelmente envolvida com o castrismo, confessa-se perdida por 'nunca ter feito parte de algo tão importante'. Temos aí um traço característico do intelectual/político profissional: uma carência, a que me refiro através da expressão 'carência institucional', de fazer parte de qualquer clube, organização, instituição ou entidade que lhe forneça alguma ilusão de importância. Ele quer sempre 'reunir' pessoas, 'debater' questões, 'otimizar' processos, apesar de raramente sair do campo das abstrações. Em outras palavras, quer soar e parecer importante e ocupado.

Quando Wilde dizia que o maior defeito da juventude é querer ser útil ele devia ter isso em mente.

02 fevereiro, 2007

Deuses Malvados

Algo que nos impressiona em Apocalypto é o morticínio levado a cabo para aplacar a sede dos deuses maias. Realmente, o filme mostra umas 5 ou 6 cabeças rolando a escadaria principal de um zigurate antes que os deuses, nas palavras do próprio chefe de cerimônias (v. foto), se dêem por satisfeitos. É um choque principalmente para aqueles que, submersos na produção historiográfica do século 20, ainda vêem as civilizações ameríndeas como compostas de astrônomos delicados e arquitetos metidos a artistas.

Nesse sentido, Mel Gibson nos faz um grande favor ao deixar os colonizadores europeus totalmente de fora, o que por si só já pareceria um absurdo para um filme que se propõe a mostrar a civilização maia em decadência. Não há dúvidas de que há muito o que dizer sobre a violência dos conquistadores espanhóis: alguns dos relatos são de revirar o estômago. Mas a prática de sacrificar seres humanos em rituais religiosos, como se sabe, é algo bem distante do modus operandi cristão.

É claro que tanta selvageria não teria como não deixar sua marca nas manifestações artísticas dessas civilizações. No filme mesmo os prisioneiros de guerra, a caminho da execução, podem ver os painéis de pedra em que outros prisioneiros como eles são degolados e empalados, e têm seus corações arrancados ainda em vida. Há sangue por toda parte. Os deuses têm sede.

Paul Johnson, no capítulo de sua História da Arte (Art: A New History) que trata da Espanha, observa que
A fierce European detestation of human sacrifice went right back to the Romans, and had been steadily reinforced by Christian teaching. It took many forms in the Americas but one in particular made the flesh of the Spanish creep. From about 1200 BC right up to the conquest, a religious ritual game had been played, with a rubber ball, in which the players of the losing team were decapitated by the other side. In the Leiden Museum there are pottery figures showing players grasping knives and trophies in the form of heads, and decapitating losing players. Stone relief panels and stone steles tell the same gruesome story.
Gibson, em Apocalypto, escolheu um 'jogo' mais popular, em que os prisioneiros correm enquanto os demais testam a pontaria com pedras, lanças e flechas.

As cenas de violência são realmente muitas, mas, se querem mesmo saber, não me pareceram exageradas. A verdade é que, no ambiente em que estamos, a violência exagerada parece brotar naturalmente, e por isso mesmo deixa de ser exagerada. Um jaguar mastigando a cabeça de um índio ou uma flecha atravessando a nuca (até sair pela boca) de outro não me parecem de maneira alguma desconectados com o fanatismo sanguinário que permeia boa parte do filme.

E finalmente, respondendo a um comentário que já ouvi mais de uma vez - como poderia o filme retratar a decadência da civilização maia se mais da metade dele se ocupa em mostrar a perseguição de um único índio? - eu diria que, não havendo decadência, não haveria perseguição. Aliás, isso é algo que o filme faz questão de deixar explicíto desde o início: a decomposição começa internamente.

22 janeiro, 2007

Babel

Babel é o mais novo filme do mexicano Alejando González Iñárritu e, assim como seus dois predecessores mais conhecidos, 21 Grams e Amores Perros, não justifica o desperdício de duas horas de nossas vidas. Pensando bem, talvez o 21 Grams justifique, mas nesse caso o mérito é todo da Naomi Watts. Vamos ao que interessa.

Babel segue o mesmo caminho de seus irmãos mais velhos: acompanhamos o desenrolar de 4 linhas narrativas aparentemente desconexas que, cedo ou tarde, se encontram. A diferença é que agora o esquema é internacional; temos um casal norte-americano em Marrocos, uma adolescente japonesa no Japão, uma mexicana, imigrante clandestina, na Califórnia etc. A intenção desse artifício, se me é permitido repetir o óbvio, é mostrar uma espécie de união misteriosa entre os seres humanos; ilustrar questões edificantes como a existência ou não de coincidências ou de um destino inescapável, a influência que pequenas decisões podem ter em nossas vidas etc. Com esse último filme temos um toque de 'universalidade' (não por acaso, as manifestações artísticas que menos me agradam são as que não sabem velar esse objetivo): agora os efeitos de cada atitude atravessam fronteiras e chegam rapidamente ao outro lado do mundo; observamos a reação de pessoas as mais diferentes ante o sofrimento inevitável. A intenção parece ser nada menos que um tratado sobre o comportamento humano.

Perguntei a alguns conhecidos por que tinham gostado do filme e invariavelmente ouvi coisas do tipo: 'é tudo muito real, muito plausível'. Minha sensação é exatamente a mesma: presenciei uma colagem de eventos que, ligados por uma ou outra coincidência, poderiam muito bem ter acontecido. Mas e daí? Passa-me logo pela cabeça o que alguns críticos de Mel Gibson, por ocasião do lancamento de Apocalypto, disseram sobre o diretor-galã: é um sádico, viciado em violência gratuita. Ainda não vi o filme e não sei se concordo (é provável que não), mas digo o mesmo de Iñárritu, trocando apenas o fetiche: o mexicano é viciado em sofrimento humano, de preferência um sofrimento que se dê da maneira mais tosca e constrangedora possível. Se vierem a lançar um caixa comemorativa com DVD's dele, sugiro que ponham na capa uma foto daquela cena de Babel em que a empregada mexicana, perdida num deserto, faminta e com areia até a testa, aos tropeços num vestido já todo rasgado, pede, com berros que logo se misturavam às lágrimas, a atenção da patrulha policial que acaba de passar.

Se essa cena já parece suficientemente desagradável, é com pesar que anuncio que há várias outras não menos degradantes, daquelas que nos forçam a perguntar: 'ele realmente tinha que mostrar isso?'. Desde já antecipo que nada tenho contra cenas violentas e/ou potencialmente repulsivas desde que sirvam, é claro, a um objetivo maior (feita a concessão, deve-se reconhecer que certas escolhas podem continuar sendo esteticamente deploráveis). E esse objetivo maior inexiste nos filmes de Iñárritu, a menos que o sadismo aqui apontado ecoe na pobre alma de quem lhe assiste.

A Babel de Iñárritu é o simétrico oposto da do Gênesis: no filme todos já começam falando línguas diferentes e terminam numa mesma massa amorfa de sofrimento prolongado e excruciante e sem significado. A ira divina nunca foi tão avassaladora. Principalmente para quem vai ao cinema.

A ilustração acima é A Confusão das Línguas, de Gustave Doré.

11 dezembro, 2006

Algum Cinema

1. Scoop, Woody Allen

Sabe-se de antemão que vale a pena ver o filme por dous motivos: participam dele o próprio Woody Allen e sua mais nova protégée Scarlett Johansson. Allen continua engraçado e Johansson continua... nós todos sabemos o quê. Afora isso, o filme certamente não é dos mais marcantes, e os conselheiros Acácio de plantão estranharão, não sem boa dose de legitimidade, algumas saídas mais excêntricas do roteiro. Exemplos: um milionário que não estranha (pelo contrário, acha divertidíssimo) o fato de sua namorada ser uma impostora que lhe espiona a vida e que, bem mais tarde, ao tentar afogá-la (por outros motivos, claro), não espera para certificar-se de que ela, bem, se afoga. It's all in good fun, diriam os mais relaxados.

2. A Good Year, Ridley Scott

Mais um para os relaxados, ou pelo menos para os que gostariam de relaxar numa vinícola no interior da França. Max Skinner (Russell Crowe) é um banker de sucesso forçado a fazer uma visitinha a terras francesas para dar cabo dos bens de seu recém-falecido tio. O frenesi da vida de um capitalista quase inescrupuloso dá lugar, gradativamente, ao sossego do campo, do vinho e (não exatamente sossego, mas vá lá) das francesas. Destaque para o nome da musa do filme: Fanny Chenal (Marion Cotillard). Lembram-se da Fanny de Edgar Poe?

3. El Laberinto del Fauno, Guillermo del Toro

O filme de del Toro tem recebido elogios entusiásticos graças à força imagética das alusões bíblicas e das referências mitológicas e ao aspecto gráfico em geral. Como lição de história, porém, não vale nem o tempo que gastamos ao discuti-lo. Paralelamente à aventura da garota Sofia, acompanhamos os esforços de um capitão fascista (padrasto da menina) que se esforça para exterminar os últimos resquícios de resistência comunista num vilarejo espanhol, em 1944. O procedimento é nosso velho conhecido: algumas demonstrações de crueldade gratuita por parte do capitão para já ir atiçando nossos ânimos; algumas declarações racistas para certificarmo-nos de que se trata de um verdadeiro canalha (grande novidade!). A partir daí já estamos preparadíssimos para ver com bons olhos a idílica resistência comunista, apesar de ela ser irresponsavelmente suicida. Tanto melhor que seja suicida: esse tipo de heroísmo sem pé nem cabeça tende a fascinar bravos e covardes alike. Temos aqui mais uma bela ilustração da máxima, escrita por não sei quem, segundo a qual algumas verdades parciais são mais obscurantistas que a mais completa escuridão. É desagradável ter de repetir isso tantas vezes, mas um filme assume uma responsabilidade tremenda ao nos mostrar apenas um dos lados (além de entrar para o hall dos filmes politicamente delinquentes). O tratamento que geralmente se dá à guerra civil espanhola é sintomático desse mal.

06 setembro, 2006

Cinema

Recentemente vi três filmes dignos de recomendação:

1. On the Waterfront (Elia Kazan, 1954)


Terry Malloy (Marlon Brando), depois de participar inadvertidamente de um assassinato, e com a ajuda de Father Barry (fazia tempo que eu não via um padre que não faz papel de safado), começa a se voltar contra os chefes corruptos da union de trabalhadores do porto. É claro que essa redenção também conta com a ajuda de Edie, a irmã do já referido morto. Pois bem, enquanto muitos filmes ganharam nome retratando a gradativa descida do homem aos infernos, esse mostra o caminho inverso: com a ajuda de um padre, santo Deus! Imperdível.

2. The Apartment (Billy Wilder, 1960)


É verdade o que sempre se diz a respeito desse filme: é bom como comédia, como drama, como romance; mas principalmente como comédia. Até a gripe do C. C. "Bud" Baxter (Jack Lemmon) consegue ser engraçada. Baxter costuma ceder seu apartamento para que figurões da seguradora em que trabalha possam faturar suas mistresses em paz. Em troca, claro está, de favores profissionais. Acaba se envolvendo com a ascensorista da agência, a lindíssima Fran Kubelik (Shirley MacLaine), que por sinal é amante de um de seus superiores e lhe aparece desmaiada em seu apartamento. Tagline: Movie-wise, there has never been anything like "The Apartment" - laugh-wise, love-wise, or otherwise-wise!

3. To Kill a Mockingbird (Robert Mulligan, 1962)


Não li o livro homônimo da Harper Lee (aquela mesmo, amiga do Truman Capote), apesar de tê-lo recebido como presente de Natal há uns anos. Acabei trocando. Mas é leitura obrigatória pra todo adolescente norte-americano. O livro/filme, ambientado no sul norte-americano, trata do advogado Atticus Finch (Gregory Peck) e sua malograda tentativa de inocentar o comprovadamente inocente e negro Tom Robinson (Brock Peters). Tudo isso a partir da perspectiva de Scout, filha de Finch, ainda pequena na época do julgamento. Dos três filmes aqui citados, é o mais fraco.

06 junho, 2006

The Road to Guantanamo


The Road to Guantanamo, mistura de drama e documentário do inglês Michael Winterbottom, ganhou o Urso de Prata no último festival de Berlin. Estamos em 2001, poucas semanas depois do 9/11. O filme mostra a trajetória de quatro amigos ingleses de origem paquistanesa que voltam ao Paquistão para visitar familiares que ficaram para trás e para que um deles possa se casar. Enquanto se divertiam e faziam compras, recebem notícias dos bombardeios norte-americanos no Afeganistão e resolvem ir para lá. "Pela experiência e para ajudar," diz um deles.

A tal 'experiência', como puderam constatar desde o primeiro momento (e como poderia ser facilmente antecipado por qualquer entidade mental minimamente sã) não foi das mais agradáveis. Consternardos, vendo que sua presença só poderia estorvar um e outro lado, resolvem voltar para casa. No caminho de volta, por um desses caprichos do destino, aliado a uma tremenda má sorte, acabam entrando num caminhão cheio de combatentes do Taleban que, também coincidentemente, estavam armados até os dentes com AK47's e similares. Pobrezinhos.

Não muito depois, o caminhão é detido por forças norte-americanas. A partir daí, parece-me ser a intenção dos produtores do filme que nos choquemos com a violência com que os terroristas detidos são tratados. Eu, por outro lado, me pergunto por que diabos os americanos foram tão bonzinhos. Ainda assim, resta alguma simpatia pelos três ingleses (o outro extraviou-se no caminho) que, supostamente (essa hipotése não é questionada pelo filme, apesar de contarmos apenas com a palavra dos ex-prisioneiros), não tinham culpa alguma.

Os prisioneiros são então levados a Guantanamo Bay, Cuba, onde são recebidos e tratados com uma virulência que se assemelha à de uma brincadeira de criança frente ao tratamento dispensado por eles próprios quando os papéis se invertem. Os ingleses são minuciosamente investigados e chega-se à conclusão de que não há provas suficientes para incriminá-los. Vale lembrar que isso não significa que sejam, de fato, inocentes: o filme esqueceu de mencionar que 17% dos prisioneiros liberados são recapturados em ações terroristas. De qualquer maneira, os três ingleses são soltos e voltam à Inglaterra, onde podem aproveitar a paz que tanto admiram e que tanto vilipendiaram em seu pequeno documentário.

Já estava me preparando para dar adeus a mais essa propaganda antiamericana quando surgiu, sem prévio aviso, o nec plus ultra de todo o filme: ao fim e ao cabo, um dos três ingleses disse que não se arrepende de nada do que fez. Isso mesmo, ó estupefato leitor: não se arrepende de ter ido, sem razão aparente, ao Afeganistão, apesar de isso ter-lhe rendido três anos de cativeiro forçado, em péssimas condições. Alternativa um: o cara é definitivamente doudo. Alternativa dois: a decisão intempestiva de ir ao Afeganistão tinha, afinal, sua razão de ser. Mas o filme não está nem poderia estar interessado nisso.

The Road to Guantanamo é mais um sintoma de uma civilização que põe em risco seus mais caros pressupostos sob o pretexto de defendê-los. Convém diferençar, de uma vez por todas, os amigos dos inimigos.

20 março, 2006

Woody Allen


O que acontece com o segundo filme, Before Sunset, não é nem pretendia ser diferente do que acontece com o primeiro, Before Sunrise: temos a ilustração do que disse Woody Allen num desses últimos filmes dele: Conversation is what we have to go through to get to sex. Está claro que, nesse contexto, não me refiro aos conversation e sex usuais - o mesmo, naturalmente, não pode ser dito do personagem de Allen... mas sou eu quem está fazendo a citação; uso-a como melhor me aprouver! -, isto é, continua havendo muita conversação e pouco sexo até o final do filme.

A conversação por que foi necessário passar por cima para que o(s) filme(s) começasse(m) a interessar permeia os inevitáveis momentos iniciais, aqueles em que cada um tenta desesperadamente impressionar o outro; aqueles em que se tenta resumir em algumas poucas frases toda uma existência e que, a não ser que sejamos indivíduos sumamente extraordinários, devem ser evitados a todo custo. Até o silêncio é preferível.

Superada essa primeira fase, em que todo argumento dispõe de uma reminiscência convenientemente ilustrativa resgatada dos confins da mais longínqua infância, ou até mesmo de um sonho recém-sonhado que vem, sem mais delongas, ratificar sua validade, adentra-se na questão que realmente interessa: o porquê de um gostar tanto do outro. Uma vez quitados os dividendos pertencentes à trivialidade (nesse processo, somos levados a conhecer todo o engajamento da moça, de suas visitas ao México, à Índia etc. Em determinado momento fui tomado pelo temor de que o aquecimento global e o derretimento das calotas polares seria o próximo assunto em pauta), sobra espaço para o que há de realmente meritório no filme, sendo que um desses méritos é a ridicularização da mesma trivialidade (note-se que o gato da moça se chama Che).

Difícil é saber até que ponto seria legítimo extirpar esse intróito; se quiséssemos nos aproximar da realidade, legítimo seria, talvez, banalizá-lo ainda mais.

08 março, 2006

Nosso Camarada, 'Che'

Hoje me perguntaram por que não gosto de Che Guevara. Não lembro ter tocado no assunto ultimamente... resta-me acreditar que esse desgosto se encontra patente na minha expressão facial. Isso é bom. Evita maiores esclarecimentos.

Respondi, claro está, com um Por que gostaria? Contudo, entendo essa dificuldade que alguns têm de perceber o óbvio: devem ter assistido ao Diários de Motocicleta, filme que, ora bolas, traz o Gael García Bernal, novo e notável talento latino-americano, eleito unanimemente a esse posto por uma intelligentsia (quase sempre) feminina e (sempre) suspirante. Que coincidência! Mas vamos ao que interessa.

Tenho a leve impressão de que a leitura dos artigos Ten Shots at Che Guevara e The Killing Machine: Che Guevara, from Communist Firebrand to Capitalist Brand, ambos do Alvaro Vargas Llosa, bastaria para diminuir um pouco o fascínio pelo filme, ou até mesmo pelas paisagens bolivianas. Similarmente, eu não teria de responder a perguntas como a que me fizeram hoje. A minha idéia, teimosa que seja, é que o ambiente circundante já não é tão atraente quando se sabe que o jovem visionário e cool não passa de um facínora de marca maior. Já conheço o contra-argumento: trata-se de ficção; o filme vale pelo que é, não por aquilo que seu protagonista (na vida real, não necessariamente no filme) viria a se tornar depois. Mas acontece que a imagem que faço de Guevara, antes de se render às suas tendências mais cruéis, é aquela mesma mostrada no filme: a de um bobão metido a visionário.

Dito isso, espero sinceramente que os jovens que vierem depois de nós se derretam por ideais que não envolvam a motocicleta de um assassino. E que não façam questão de usar a camiseta de um assassino. É, antes de mais, uma demonstração insuspeita de burrice.