22 janeiro, 2007

Babel

Babel é o mais novo filme do mexicano Alejando González Iñárritu e, assim como seus dois predecessores mais conhecidos, 21 Grams e Amores Perros, não justifica o desperdício de duas horas de nossas vidas. Pensando bem, talvez o 21 Grams justifique, mas nesse caso o mérito é todo da Naomi Watts. Vamos ao que interessa.

Babel segue o mesmo caminho de seus irmãos mais velhos: acompanhamos o desenrolar de 4 linhas narrativas aparentemente desconexas que, cedo ou tarde, se encontram. A diferença é que agora o esquema é internacional; temos um casal norte-americano em Marrocos, uma adolescente japonesa no Japão, uma mexicana, imigrante clandestina, na Califórnia etc. A intenção desse artifício, se me é permitido repetir o óbvio, é mostrar uma espécie de união misteriosa entre os seres humanos; ilustrar questões edificantes como a existência ou não de coincidências ou de um destino inescapável, a influência que pequenas decisões podem ter em nossas vidas etc. Com esse último filme temos um toque de 'universalidade' (não por acaso, as manifestações artísticas que menos me agradam são as que não sabem velar esse objetivo): agora os efeitos de cada atitude atravessam fronteiras e chegam rapidamente ao outro lado do mundo; observamos a reação de pessoas as mais diferentes ante o sofrimento inevitável. A intenção parece ser nada menos que um tratado sobre o comportamento humano.

Perguntei a alguns conhecidos por que tinham gostado do filme e invariavelmente ouvi coisas do tipo: 'é tudo muito real, muito plausível'. Minha sensação é exatamente a mesma: presenciei uma colagem de eventos que, ligados por uma ou outra coincidência, poderiam muito bem ter acontecido. Mas e daí? Passa-me logo pela cabeça o que alguns críticos de Mel Gibson, por ocasião do lancamento de Apocalypto, disseram sobre o diretor-galã: é um sádico, viciado em violência gratuita. Ainda não vi o filme e não sei se concordo (é provável que não), mas digo o mesmo de Iñárritu, trocando apenas o fetiche: o mexicano é viciado em sofrimento humano, de preferência um sofrimento que se dê da maneira mais tosca e constrangedora possível. Se vierem a lançar um caixa comemorativa com DVD's dele, sugiro que ponham na capa uma foto daquela cena de Babel em que a empregada mexicana, perdida num deserto, faminta e com areia até a testa, aos tropeços num vestido já todo rasgado, pede, com berros que logo se misturavam às lágrimas, a atenção da patrulha policial que acaba de passar.

Se essa cena já parece suficientemente desagradável, é com pesar que anuncio que há várias outras não menos degradantes, daquelas que nos forçam a perguntar: 'ele realmente tinha que mostrar isso?'. Desde já antecipo que nada tenho contra cenas violentas e/ou potencialmente repulsivas desde que sirvam, é claro, a um objetivo maior (feita a concessão, deve-se reconhecer que certas escolhas podem continuar sendo esteticamente deploráveis). E esse objetivo maior inexiste nos filmes de Iñárritu, a menos que o sadismo aqui apontado ecoe na pobre alma de quem lhe assiste.

A Babel de Iñárritu é o simétrico oposto da do Gênesis: no filme todos já começam falando línguas diferentes e terminam numa mesma massa amorfa de sofrimento prolongado e excruciante e sem significado. A ira divina nunca foi tão avassaladora. Principalmente para quem vai ao cinema.

A ilustração acima é A Confusão das Línguas, de Gustave Doré.