27 fevereiro, 2008

Poesia de Verdade

Falando em poesia de verdade, terminei há pouco de ler o The Collected Poems of W. B. Yeats, editado pelo Richard J. Finneran. Transcrevo abaixo alguns dos poemas de que gostei mais (e que não são tão longos):

The Ballad of the Foxhunter

'Lay me in a cushioned chair;
Carry me, ye four,
With cushions here and cushions there,
To see the world once more.

'To stable and to kennel go;
Bring what is there to bring;
Lead my Lollard to and fro,
Or gently in a ring.

'Put the chair upon the grass:
Bring Rody and his hounds,
That I may contented pass
From these earthly bounds.'

His eyelids droop, his head falls low,
His old eyes cloud with dreams;
The sun upon all things that grow
Falls in sleepy streams.

Brown Lollard treads upon the lawn,
And to the armchair goes,
And now the old man's dreams are gone,
He smooths the long brown nose.

And now moves many a pleasant tongue
Upon his wasted hands,
For leading aged hounds and young
The huntsman near him stands.

'Huntsmam Rody, blow the horn,
Make the hills reply.'
The huntsman loosens on the morn
A gay wandering cry.

Fire is in the old man's eyes,
His fingers move and sway,
And when the wandering music dies
They hear him feebly say,

'Huntsman Rody, blow the horn,
Make the hills reply.'
'I cannot blow upon my horn,
I can but weep and sigh.'

Servants round his cushioned place
Are with new sorrow wrung;
Hounds are gazing on his face,
Aged hounds and young.

One blind hound only lies apart
On the sun-smitten grass;
He holds deep commune with his heart:
The moments pass and pass:

The blind hound with a mournful din
Lifts slow his wintry head;
The servants bear the body in;
The hounds wail for the dead.

The Wild Swans at Coole

THE TREES are in their autumn beauty,
The woodland paths are dry,
Under the October twilight the water
Mirrors a still sky;
Upon the brimming water among the stones
Are nine and fifty swans.

The nineteenth Autumn has come upon me
Since I first made my count;
I saw, before I had well finished,
All suddenly mount
And scatter wheeling in great broken rings
Upon their clamorous wings.

I have looked upon those brilliant creatures,
And now my heart is sore.
All’s changed since I, hearing at twilight,
The first time on this shore,
The bell-beat of their wings above my head,
Trod with a lighter tread.

Unwearied still, lover by lover,
They paddle in the cold,
Companionable streams or climb the air;
Their hearts have not grown old;
Passion or conquest, wander where they will,
Attend upon them still.

But now they drift on the still water
Mysterious, beautiful;
Among what rushes will they build,
By what lake’s edge or pool
Delight men’s eyes, when I awake some day
To find they have flown away?

The Second Coming

Já tinha postado esse aqui.

Meditations in Time of Civil War

VII. I see Phantoms of Hatred and of the Heart's
Fullness and of the Coming Emptiness

I climb to the tower-top and lean upon broken stone,
A mist that is like blown snow is sweeping over all,
Valley, river, and elms, under the light of a moon
That seems unlike itself, that seems unchangeable,
A glittering sword out of the east. A puff of wind
And those white glimmering fragments of the mist sweep by.
Frenzies bewilder, reveries perturb the mind;
Monstrous familiar images swim to the mind's eye.

'Vengeance upon the murderers,' the cry goes up,
'Vengeance for Jacques Molay.' In cloud-pale rags, or in lace,
The rage-driven, rage-tormented, and rage-hungry troop,
Trooper belabouring trooper, biting at arm or at face,
Plunges towards nothing, arms and fingers spreading wide
For the embrace of nothing; and I, my wits astray
Because of all that senseless tumult, all but cried
For vengeance on the murderers of Jacques Molay.

Their legs long, delicate and slender, aquamarine their eyes,
Magical unicorns bear ladies on their backs.
The ladies close their musing eyes. No prophecies,
Remembered out of Babylonian almanacs,
Have closed the ladies' eyes, their minds are but a pool
Where even longing drowns under its own excess;
Nothing but stillness can remain when hearts are full
Of their own sweetness, bodies of their loveliness.

The cloud-pale unicorns, the eyes of aquamarine,
The quivering half-closed eyelids, the rags of cloud or of lace,
Or eyes that rage has brightened, arms it has made lean,
Give place to an indifferent multitude, give place
To brazen hawks.Nor self-delighting reverie,
Nor hate of what's to come, nor pity for what's gone,
Nothing but grip of claw, and the eye's complacency,
The innumerable clanging wings that have put out the moon.

I turn away and shut the door, and on the stair
Wonder how many times I could have proved my worth
In something that all others understand or share;
But O! ambitious heart, had such a proof drawn forth
A company of friends, a conscience set at ease,
It had but made us pine the more. The abstract joy,
The half-read wisdom of daemonic images,
Suffice the ageing man as once the growing boy.

16 fevereiro, 2008

Memória Vermelha (2)

Em entrevista à finada Primeira Leitura, Contardo Calligaris afirmava que seu pai (ou seu avô, não lembro mais) decidiu opor-se aos fascistas em Itália sem para tanto tornar-se comunista, como era o costume, porque os comunistas eram muito 'vulgares', ou algo do tipo.

Realmente o estudante de hoje, a não ser que não leia, não tem como justificar um fascínio pelo comunismo que vá alem de seus 18 anos; qualquer livrariazinha de esquina já traz pilhas de biografias descendo o pau em Stalin, Guevara, Mao etc. Mas e no começo do século passado, quando os regimes comunistas ainda não tinham perpetrado seus respectivos genocídios, como é que o cidadão médio, desinteressado em política, fazia pra afastar a idéia nefasta? Por uma sensibilidade estética. O pai do Calligaris que o diga.

Parece meio surpreendente, então, que Graciliano Ramos, tão atento a sutilezas estilísticas, tenha sido um comuna. Tudo bem que jamais chegou a fazer parte do PC, mas isso foi graças ao seu temperamento, não a convicções ideológicas. De fato, no Memórias do Cárcere ele chega a dizer coisas como
Não me repugnava a idéia de fuzilar um proprietário por ser proprietário. Era razoável que a propriedade me castigasse as intenções.
Essa mania tosca, estilisticamente deplorável, de dar vida a substantivos como 'propriedade' ou 'capital' (parece que estamos lendo um jornalzinho marxista: 'a greve dos trabalhadores foi debelada, assim como queria o Capital') já deveria ser suficiente pra afastar qualquer escritor decente. O problema é que Graciliano, diferentemente do Calligaris-pai, parece ter uma visão binária das coisas: impossível opor-se ao fascismo tupinambá senão através do comunismo tupinambá. Aliar-se aos comunistas, até admirar essa gente, passa a ser visto como obrigação moral, e não como o que realmente é antes de mais nada: um gravíssimo erro de estilo.

12 fevereiro, 2008

Memória Vermelha (1)

Não caluniemos o nosso pequenino fascismo tupinambá: se o fizermos, perderemos qualquer vestígio de autoridade e, quando formos verazes, ninguém nos dará crédito. De fato ele não nos impediu escrever. Apenas nos suprimiu o desejo de entregar-nos a esse exercício.
Na edição que tenho em mãos (Record, 2004) do primeiro volume das Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, há um prefácio bem desagradável, daqueles que muito provavelmente nem o autor do livro consentiria ver publicado, escrito por Nelson Werneck Sodré. Primeiro porque é escancaradamente hagiográfico. Segundo porque, a despeito do conselho de Graciliano citado acima, o fascismo tupinambá é nele pintado com cores exageradas e odientas.

A verdade é que a imagem Graciliano Ramos sai, pelas mãos do mesmo Graciliano, bastante acanalhada desse livro. Curioso isso, já que o tipo de sinceridade que aqui encontramos (a vida em presídios leva a episódios tão constrangedores que somente a proteção da tumba -- o livro é póstumo -- é capaz de nos animar a revelá-los) é sinal de grandeza de caráter. Sem dúvida que é. Ocorre que o estilo do Graciliano, já velho conhecido nosso, força-o a desrespeitar, também ele, seu próprio conselho. Ele tem uma inteligência que poderíamos chamar episódica: pequenos detalhes, sejam gestos, palavras, odores etc., aparentemente desimportantes, são comentados detidamente, enchem capítulos inteiros. A narrativa flui normalmente até que um pequeno incidente prende toda a atenção do escritor; há como que uma suspenção epifânica. Como observava Alvaro Lins, o tempo narrativo de Graciliano Ramos é adulterado. A promessa enunciada logo no comecinho é cumprida à risca:
Posso andar para a direita e para a esquerda como um vagabundo, deter-me em longas paradas, saltar passagens desprovidas de interesse, passear, correr, voltar a lugares conhecidos. Omitirei acontecimentos essenciais ou mencioná-los-ei de relance, como se os enxergasse pelos vidros pequenos de um binóculo; ampliarei insignificâncias, repeti-las-ei até cansar, se isto me parecer conveniente.
Essa técnica funciona às maravilhas em romances como Angústia, em que o narrador-protagonista fica assim livre pra enfileirar suas obsessões e delírios. Aqui a coisa é aborrecida porque dá ares de onipotência àquilo mesmo que ele desejava não exagerar, o fascismo tupinambá. Impossível ignorar que, por não se tratar de ficção, conhecemos os nomes dos bois, e a possibilidade de reduzir boa ficção a panfleto político é premente e desconcertante.

Não há, é certo, ficção. E por mais que Graciliano se esforce para retratar com justeza seus algozes, as linhas sofridas, minguadas, como que espremidas do ritmo confessadamente lento do escritor, elevam as peregrinações do preso a um martírio quase que insuportável ao leitor. Acompanhamos enojados as perambulações pelo porão fétido do Manaus, sentimos as picadas de percevejos escondidos num catre duro, o cheiro nauseabundo da ração macilenta etc. Essas temeridades, graças ao talento do narrador, se multiplicam, avultam, ganham proporções impensáveis, instransponíveis. O órgão perpetrador das iniquidades cresce proporcionalmente, e o preso (lamentamos tanto por saber seu nome!) sai arrasado, acanalhado.

Eis aí: o ótimo estilo de Graciliano Ramos lhe prestou (a ele e a nós) um grande desserviço.

07 fevereiro, 2008

Diálogos Razoáveis (5)

-- Adoro ler.

-- Tipo o quê?

-- Tipo Chico Buarque, Raduan Nassar e Michel Foucault.

-- Você também é pervertida?

-- Não.

-- Onde fica o banheiro?

Diálogos Razoáveis (4)

-- O São Paulo foi o melhor time do último brasileirão.

-- Não foi, foi o Flamengo.

-- Mas o São Paulo terminou com uns 15 pontos a mais que o Flamengo. O Flamengo foi melhor no segundo turno, mas o campeonato tem dois turnos.

-- A tabela prejudicou o Flamengo. Se não tivesse prejudicado, o Flamengo teria sido campeão.

-- Você está querendo desafiar um fato com uma especulação? São, digamos, níveis ontológicos diferentes.

-- É fato que o Flamengo foi prejudicado.

-- Bem: o São Paulo foi o melhor time e o Flamengo foi o mais prejudicado.

Diálogos Razoáveis (3)

-- A administração Lula foi a mais corrupta da história do Brasil.

-- Administrações anteriores foram tão corruptas quanto (ou até mais que) a atual, acontece que delas nós não recebemos notícia.

-- Se nós não recebemos notícia, como você ficou sabendo?

Diálogos Razoáveis (2)

-- Você acredita em Deus?!

-- E você acredita que a nona sinfonia de Beethoven, a constante reduzida de Planck, o último teorema de Fermat, Os Lusíadas, a Golden Gate Bridge e alguém como você sejam consequência de um arranjo casual de partículas subatômicas?

Diálogos Razoáveis (1)

-- Entenda, é carnaval, precisamos de uma música mais animada. Ouço rock, jazz, blues e bossa nova, mas isso agora deixaria a galera morgada, as meninas sonolentas, os velhos dormindo. Carnaval pede agito e animação. Coloca Ivete aí.

-- Não.