14 agosto, 2007

A Oeste Daqui

Oeste para nós não significa muito mais que um dos pontos cardeais (ou a civilização ocidental, se o termo estiver em inglês). Para europeus e principalmente para americanos, a coisa é bem diferente. É curiosa a naturalidade com que eles associam idéias de aventura, recomeço e descoberta psicológica ao termo. Não à toa o brasileiro tende a receber com certa indiferença o formato western, enquanto Jorge Luis Borges dizia, se me não engano numa entrevista, que se quisermos encontrar qualquer resquício de heroísmo no cinema moderno devemos recorrer ao bom e velho western.

A noção de heroísmo tal como a entendiam os colonizadores da recém-fundada república norte-americana, ou, mais tarde, os forty-niners do gold rush na California (1849), já nos é pouco compreensível. Já é pouco compreensível até para os próprios americanos, apesar de a terminologia ter permanecido com os anos. Escrevendo pouco depois de 1831, Alexis de Tocqueville listou o ímpeto americano pelo novo e ainda intocado como um dos fatores que ajudariam a manter e a fazer crescer uma república democrática num território tão vasto. No primeiro volume do Democracy in America:
It would be difficult to depict the eagerness with which an American launches himself at this huge booty offered him by fortune. In order to pursue it, he fearlessly braves the Indian arrow and the diseases of the wilds; the silence of the woods holds no surprise for him, nor is he disturbed by the presence of wild beasts; he is constantly spurred on by a passion stronger than the love of life. Before him stretches an almost boundless continent and it is as though, already afraid of losing his place, he is in such a hurry not to arrive late.
É claro que essa urgência toda pode ser interpretada como uma simples ganância por terras, riquezas etc., mas o que Tocqueville deixa transparecer ao longo do texto é que esse aspecto aventureiro do homem (tão caro a ele próprio, um aristocrata francês!, assim como para Borges e a maioria dos chamados críticos da modernidade) foi reduzido a cinzas por todos nós. Em outras palavras, o homem deixou de arriscar sua vida por um ideal (por mais condenável que esse ideal seja) para usufruir da parafernália modernosa.

Como eu dizia, restou a terminologia. Isso ainda é facil de encontrar, principalmente em filmes e músicas. Um trecho da Stairway to Heaven, do Led Zeppelin:
There's a feeling I get when I look to the west,
And my spirit is crying for leaving.
In my thoughts I have seen rings of smoke through the trees,
And the voices of those who stand looking.
Ooh, it makes me wonder,
Ooh, it really makes me wonder.
Na Budapest, do Jethro Tull, uma das melhores músicas da história do rock:
I thought I saw her at the late night restaurant.
She would have sent blue shivers down the wall.
But she didn't grace our table.
In fact, she wasn't there at all.
Yes, and her legs went on forever.
Like staring up at infinity.
Her heart was spinning to the west-lands
and she didn't care to be
that night in Budapest.
Hot night in Budapest.
O Once Upon a Time in the West, western do Sergio Leone, acabou virando título de uma música do Dire Straits, que de resto já tinha lançado uma Wild West End um ano antes. Para o homem moderno o oeste voltou a ser apenas um ponto cardeal: no mínimo corremos o risco de perder uma boa metáfora.