06 junho, 2006

The Road to Guantanamo


The Road to Guantanamo, mistura de drama e documentário do inglês Michael Winterbottom, ganhou o Urso de Prata no último festival de Berlin. Estamos em 2001, poucas semanas depois do 9/11. O filme mostra a trajetória de quatro amigos ingleses de origem paquistanesa que voltam ao Paquistão para visitar familiares que ficaram para trás e para que um deles possa se casar. Enquanto se divertiam e faziam compras, recebem notícias dos bombardeios norte-americanos no Afeganistão e resolvem ir para lá. "Pela experiência e para ajudar," diz um deles.

A tal 'experiência', como puderam constatar desde o primeiro momento (e como poderia ser facilmente antecipado por qualquer entidade mental minimamente sã) não foi das mais agradáveis. Consternardos, vendo que sua presença só poderia estorvar um e outro lado, resolvem voltar para casa. No caminho de volta, por um desses caprichos do destino, aliado a uma tremenda má sorte, acabam entrando num caminhão cheio de combatentes do Taleban que, também coincidentemente, estavam armados até os dentes com AK47's e similares. Pobrezinhos.

Não muito depois, o caminhão é detido por forças norte-americanas. A partir daí, parece-me ser a intenção dos produtores do filme que nos choquemos com a violência com que os terroristas detidos são tratados. Eu, por outro lado, me pergunto por que diabos os americanos foram tão bonzinhos. Ainda assim, resta alguma simpatia pelos três ingleses (o outro extraviou-se no caminho) que, supostamente (essa hipotése não é questionada pelo filme, apesar de contarmos apenas com a palavra dos ex-prisioneiros), não tinham culpa alguma.

Os prisioneiros são então levados a Guantanamo Bay, Cuba, onde são recebidos e tratados com uma virulência que se assemelha à de uma brincadeira de criança frente ao tratamento dispensado por eles próprios quando os papéis se invertem. Os ingleses são minuciosamente investigados e chega-se à conclusão de que não há provas suficientes para incriminá-los. Vale lembrar que isso não significa que sejam, de fato, inocentes: o filme esqueceu de mencionar que 17% dos prisioneiros liberados são recapturados em ações terroristas. De qualquer maneira, os três ingleses são soltos e voltam à Inglaterra, onde podem aproveitar a paz que tanto admiram e que tanto vilipendiaram em seu pequeno documentário.

Já estava me preparando para dar adeus a mais essa propaganda antiamericana quando surgiu, sem prévio aviso, o nec plus ultra de todo o filme: ao fim e ao cabo, um dos três ingleses disse que não se arrepende de nada do que fez. Isso mesmo, ó estupefato leitor: não se arrepende de ter ido, sem razão aparente, ao Afeganistão, apesar de isso ter-lhe rendido três anos de cativeiro forçado, em péssimas condições. Alternativa um: o cara é definitivamente doudo. Alternativa dois: a decisão intempestiva de ir ao Afeganistão tinha, afinal, sua razão de ser. Mas o filme não está nem poderia estar interessado nisso.

The Road to Guantanamo é mais um sintoma de uma civilização que põe em risco seus mais caros pressupostos sob o pretexto de defendê-los. Convém diferençar, de uma vez por todas, os amigos dos inimigos.