01 fevereiro, 2006

A História Bem Contada (1)

Sinto muita saudade do meu professor de História Americana, o simpático Mr. Hyde (sim, ele gostava de Robert Louis Stevenson). Além de engraçadíssimo - sempre esticava o braço num ângulo de aproximadamente 45 graus com a horizontal, de punho cerrado e olhar compenetrado, quando se entusiasmava com algo -, era um inexorável defensor da História bem contada, isto é, da História bem escrita. Seus primeiros comentários sobre o livro-texto que seria usado durante aquele ano foram de natureza estilística, e surpreendi-o, mais de uma vez, a escrever cuidadosamente um beautifully written ao lado de alguma passagem do livro que julgava merecedora, assim como fazia em nossas provas, quando surgia a (rara) ocasião.

Tenho certeza de que os critérios de avaliação de Mr. Hyde causariam grande comoção no Brasil. Primeiro porque suas provas não guardam qualquer semelhaça com os grandes exames nacionais (os equivalentes americanos do vestibular) - o que é bastante incomum até mesmo nos Estados Unidos -, e também porque exigem do aluno o que nem a um professor de produção textual brasileiro seria lícito exigir: uma clareza que transcenda a correção formal e/ou histórica, e que deveria ser inerente a qualquer texto escrito. Nos vestibulares, não se pode diferenciar o aluno que tem uma redação canhestra daquele que se expressa com um mínimo de desenvoltura, justamente porque elegância [o grifo indica um desprezo nauseabundo], dizem, não se configura como aspecto gramatical, ortográfico ou qualquer outro passível de avaliação objetiva. Realmente, só posso imaginar o desastre que teríamos se exigíssemos qualquer tipo de análise minimamente subjetiva do professor brasileiro.

Aviso desde já que não se trata de terrorismo criativo; obviamente não era necessário ser particularmente eloquente ou estar num dia inspirado para obter boas notas. Se um desses acidentes (cuja ocorrência não se pode impor nem mesmo a alguém de considerável inteligência) viesse a ocorrer, tanto melhor: certamente o mérito seria apreciado e recompensado. O que não pode faltar, dizia Mr. Hyde, é uma espécie de honestidade intrínseca que, aliada ao conhecimento e retletida no texto, acaba por livrar esse último de qualquer agente deturpador da verdade histórica, seja ele de caráter estilístico ou ideológico. Resta apenas a História; bem escrita, bem contada.