08 fevereiro, 2006

A História Bem Contada (2)

... As causas da riqueza e pobreza de nações - eis o formidável objetivo de todas as investigações em economia política. [Malthus a Ricardo, carta de 26 de janeiro de 1817]
David S. Landes, professor de história e economia política na Universidade de Harvard, tenta chegar a esse objetivo, ou responder a essa pergunta (Por que algumas [nações] são tão ricas e outras são tão pobres?) através da História em seu livro The Wealth and Poverty of Nations. Afirma ter escolhido a História como ferramenta por temperamento, mas difícil seria imaginar um método que prescinda da formação histórica das atuais nações.

De início, Landes fala da influência geográfica no temperamento humano. Conclusão: não se chega a grandes idéias na barraca da praia, e eu não poderia concordar mais. [À exceção da sugestão de criar latinhas de cerveja de 250 ml, o calor infernal daqui de Fortaleza nunca suscitou um pensamento digno de menção. Ainda assim, seria uma melhoria muito limitada: estou certo de que os esquimós não se interessariam pela novidade. É bastante característica a lassidão que literalmente toma conta de mim quando o calor é excessivo; a própria caminhada que me leva da cama ao chuveiro representa uma São Silvestre particular.]

Dando sequência, Landes se ocupa em desmistificar alguns vícios que se cristalizaram na historiografia moderna, sendo o primeiro deles, naturalmente, o da "Idade das Trevas". Já são muitos os estudos que desmentem esse mito (alguns deles de um detalhismo notável) e Landes, ciente disso e mais preocupado com o progresso material da humanidade, dá-se por satisfeito após citar algumas das evoluções tecnológicas do período: a roda d'água, os óculos, o relógio mecânico, a imprensa e o advento da pólvora. Ninguém ignora a importância desses fatores na concentração de esforços que levaria à Revolução Industrial, mas o fato de dois deles terem sido desenvolvidos na China (a imprensa e o uso da pólvora) acaba levantando uma questão de difícil resposta: o porquê de a China não ter sido capaz de fomentar (ou, em algumas ocasiões, de não ter sequer conseguido evitar retrocessos) seu temperamento inegavelmente inventivo. Landes lança mão de várias conjecturas, mas a questão permanece, pelo menos parcialmente, em aberto.

Daí às Grandes Navegações é um pulo, e aprendemos por que o pioneirismo de Portugal (encabeçado pelos esforcos sistemáticos do Infante D. Henrique) e de Espanha é eventualmente substituído pela liderança setentrional. Particularmente curiosa é a apatia com que aqueles mesmos que se despediam do poder viram essa transição:
(...) a nação espanhola possui hoje a maior fortuna e a maior renda de todos os países cristãos. Mas o amor ao luxo e aos confortos da civilização dominou os espanhóis, e raramente encontramos alguém dessa nação que se dedique ao comércio ou viaje ao estrangeiro a fim de comerciar, como fazem as outras nações cristãs, os holandeses, ingleses, franceses, genoveses e seus semelhantes. Também as artes mecânicas e os ofícios manuais praticados pelas classes mais baixas e as pessoas comuns são desprezados por esta nação, que se considera superior às outras nações cristãs. A maioria dos que praticam essas artes e ofícios sao franceses que afluem à Espanha em busca de trabalho e em pouco tempo amealham grandes fortunas.
Essa indiferença para com o comércio e para com a infância da industrialização custou-lhes muito, assim como custou aos chineses que, apesar de terem se interessado pelo relógio mecânico europeu, se fecharam à qualquer intromissão ocidental, temerosos de que o cristianismo viesse a destruir irremediavelmente seus próprios preceitos culturais. A intransigência do Império Celeste, ao achar que se encontravam no centro do Universo e que nada perderiam se desdenhassem os europeus, é o correspondente chinês da indiferença e da apatia reinantes em Portugal e Espanha. Isso explica, em boa medida, o porquê de a Revolução Industrial ter ocorrido onde ocorreu (questão discutida no capítulo Por que a Europa? Por que entâo?), além de simplificar consideravelmente a discussão do futuro das colônias norte-americanas, de um lado (Inglaterra e França), e latino-americanas, do outro (Portugal e Espanha).

Os japoneses, diz-nos Landes, são um caso especial. Apesar de terem, também eles, se fechado ao Ocidente em determinado momento de sua história, souberam absorver o que se lhes afigurou, desde o início, indispensável. Não só absorveram como eventualmente aperfeiçoaram o conhecimento trazido da Europa; trata-se, portanto, de uma intransigência esclarecida: apesar de nunca duvidarem de sua própria superioridade (mesmo nos momentos em que as evidências apontavam em sentido oposto), foram sensatos o suficiente para saber ouvir os estrangeiros na época em que eles ainda tinham muito o que dizer. É claro que todo esse esclarecimento nem sempre foi a norma da casa, o que leva Landes a dizer que o elevado sentimento de orgulho nacional japonês tanto foi responsável pelo seu invejável desenvolvimento econômico atual quanto pelas suas maiores agruras no passado.

Aqui, ainda, convém refutar um outro mito (que subsiste tacitamente, mas nem por isso com menos firmeza), dessa vez relativo ao processo de industrialização japonês: o de que sua Revolução Industrial ter-se-ia dado com condições de trabalho razoáveis para os "operários", idéia provavelmente respaldada pela própria resiliência nipônica:
Porque o trabalhador doméstico japonês era capaz e estava disposto a enfrentar horas e horas de trabalho extorsivo, monótono e excruciante que teriam feito a mais dócil e pacífica fiandeira ou fabricante de alfinetes inglesa cair em espasmos de rebelião.
Isto é: "Em termos comparativos, o Japão precipitou-se num capitalismo selvagem, desenfreado. Como na Inglaterra, mas de um modo mais acentuado, a indústria caseira já era palco de vergonhosa exploração."

Landes prossegue ainda por muitas páginas em sua cruzada por respostas e, se não chega a respostas definitivas, é menos por falta de empenho que pela enorme complexidade da tarefa.