Entendo-me perfeitamente bem com quem discordo completamente. Todos nós (suponho) conhecemos pessoas que de tão diferentes de nós mesmos chegam a ser caricaturais, excêntricas e até mesmo atraentes. Quando chego a certa conclusão, tenho a tácita segurança de que esses indivíduos chegaram a uma outra diametralmente oposta. Eles se opóiam e tomam como verdadeiras idéias que eu nem me daria ao trabalho de discutir. São o anti-eu. E por isso mesmo nos entendemos muito bem.
Quando vemos um tamanduá comendo formigas (sei que não vemos tamanduás com muita frequência; é só um exemplo) não nos sentimos impelidos a discutir com o tamanduá, nem tampouco tentamos mostrar a ele que bolo de milho é mais saboroso que formigas. Dizemos eu nunca faria isso com um sorriso despreocupado e até feliz, mais de admiração que de impaciência. Note-se que isso não pressupõe qualquer relação de superioridade para com o tamanduá; para ele, o bolo de milho deve ser comparavelmente detestável.
Do mesmo modo que não discuto com o tamanduá, não discuto com quem, assim como o tamanduá, não tem condições de me entender. Se um sujeito gosta de Che Guevara, por que tentarei eu convencê-lo da intransigência de Lenin? E se ele não vê intransigência em Lenin, que tem ele com a arbitrariedade de Stalin? E por isso nos entendemos muito bem: ele fala de Stalin e eu rio; eu falo de Stalin e ele ri. Estamos fadados a uma relação amigável. Quando Nietzsche ou Huxley se opõem à religião, eles não têm a esperança de que os religiosos deixem de ser religiosos; perderiam muitos amigos nesse processo. Especificar o que eles querem, além de mostrar que se opõem à religião, já é bem mais difícil.
Discutir com quem concordamos, ainda que superficialmente, é mais viável. Cumpre discutir por que concordamos, e também por que concordamos apenas superficialmente. Se concordamos completa e inescapavelmente, cumpre discutir por que isso tem de ser assim.
Passemos, então, à questão de saber por que discutimos, às vezes, com tanta pertinácia, apenas para descobrir que estamos engajados numa discussão em que o interlocutor é ninguém menos que um tamanduá. A verdade é que o tamanduá por vezes se disfarça; inclina-se para o prato de bolo mas tem as formigas bem guardadas no bolso. Quando descobrimos já é tarde: resta-nos apenas aquela admiração aparvalhada a que me referi anteriormente. E então a discussão deixa de ser discussão, nenhuma concessão será possível, até porque qualquer concessão seria negar-se a si mesmo. Se não estamos lidando com um tamanduá, pontos de convergência surgirão naturalmente; até chegarmos à divergência, há muito chão em comum, caso contrário a divergência nem sequer teria a chance de existir.
Deve ser por isso que o bêbado tem tanta facilidade para fazer amigos. Isso não se dá porque o alcoól o deixa mais amigável, mas porque se esvai toda e qualquer necessidade de encontrar, nos outros, vestígios de uma concordância incondicional. Nossas caricaturas, ou melhor, anti-caricaturas, são nossos melhores amigos. Só eles nos divertem.
Quando vemos um tamanduá comendo formigas (sei que não vemos tamanduás com muita frequência; é só um exemplo) não nos sentimos impelidos a discutir com o tamanduá, nem tampouco tentamos mostrar a ele que bolo de milho é mais saboroso que formigas. Dizemos eu nunca faria isso com um sorriso despreocupado e até feliz, mais de admiração que de impaciência. Note-se que isso não pressupõe qualquer relação de superioridade para com o tamanduá; para ele, o bolo de milho deve ser comparavelmente detestável.
Do mesmo modo que não discuto com o tamanduá, não discuto com quem, assim como o tamanduá, não tem condições de me entender. Se um sujeito gosta de Che Guevara, por que tentarei eu convencê-lo da intransigência de Lenin? E se ele não vê intransigência em Lenin, que tem ele com a arbitrariedade de Stalin? E por isso nos entendemos muito bem: ele fala de Stalin e eu rio; eu falo de Stalin e ele ri. Estamos fadados a uma relação amigável. Quando Nietzsche ou Huxley se opõem à religião, eles não têm a esperança de que os religiosos deixem de ser religiosos; perderiam muitos amigos nesse processo. Especificar o que eles querem, além de mostrar que se opõem à religião, já é bem mais difícil.
Discutir com quem concordamos, ainda que superficialmente, é mais viável. Cumpre discutir por que concordamos, e também por que concordamos apenas superficialmente. Se concordamos completa e inescapavelmente, cumpre discutir por que isso tem de ser assim.
Passemos, então, à questão de saber por que discutimos, às vezes, com tanta pertinácia, apenas para descobrir que estamos engajados numa discussão em que o interlocutor é ninguém menos que um tamanduá. A verdade é que o tamanduá por vezes se disfarça; inclina-se para o prato de bolo mas tem as formigas bem guardadas no bolso. Quando descobrimos já é tarde: resta-nos apenas aquela admiração aparvalhada a que me referi anteriormente. E então a discussão deixa de ser discussão, nenhuma concessão será possível, até porque qualquer concessão seria negar-se a si mesmo. Se não estamos lidando com um tamanduá, pontos de convergência surgirão naturalmente; até chegarmos à divergência, há muito chão em comum, caso contrário a divergência nem sequer teria a chance de existir.
Deve ser por isso que o bêbado tem tanta facilidade para fazer amigos. Isso não se dá porque o alcoól o deixa mais amigável, mas porque se esvai toda e qualquer necessidade de encontrar, nos outros, vestígios de uma concordância incondicional. Nossas caricaturas, ou melhor, anti-caricaturas, são nossos melhores amigos. Só eles nos divertem.
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