03 julho, 2006

A Vulgaridade do Correto

Não há nada mais catastrófico que uma ironia enfiada no lugar errado. Assim como se reconhece facilmente o mau escritor através da má metáfora (conseguir engendrar metáforas que continuam a soar bem depois de muito tempo é privilégio de poucos), reconhece-se o pensador confuso através da ironia despropositada. O indivíduo que se põe a ironizar o que quer que seja é alçado a uma posição extremamente desconfortável (e instável): a de quem não só conhece perfeitamente o assunto em questão, mas tambem prevê o efeito de suas palavras sobre a audiência. Isso acaba obrigando-o a saber até que ponto a audiência conhece o assunto.

Qualquer falha nesse sentido resultará não numa ironia ineficaz (isso não existe), mas numa ironia ridícula. Quem se arvora à posição de zombador deve conseguir pelo menos isso: zombar. Sob pena de ser ele mesmo ridicularizado. Dou alguns exemplos.

Existe uma prática bastante arraigada nos meios bem-pensantes brasileiros que merece nossa atenção: a mania de fazer aspas com os dedos. Quem já teve a infelicidade de frequentar aulas de história no ensino médio sabe do que estou falando. Mas a prática não se resume a um simples aceno aparvalhado; há todo um ritual. O sujeito tem de levantar bastante os braços, arqueando-os de maneira a quase formar uma semi-circunferência, para só então dedilhar o vazio, como se estivesse fazendo cócegas no fulcro de alguma verdade recôndita. É indispensável manter um olhar alheio, quiçá sonolento, dando a entender que aquilo não é novidade alguma; desde há muito uma classe privilegiada de indivíduos (ele incluso) desmascarou o embuste que todo o restante da humanidade insiste em pespegar ao discurso oficial.

Mais ridícula que uma cena dessas só a dança do já amalucado Quincas Borba. Mas isso não é tudo. Essa gente também adora fazer perguntas retóricas. É um trejeito de que não conseguem se desvencilhar, por mais que tentem. Há, é claro, situações em que as perguntas são bem-vindas ou até aconselháveis: quando realmente não se conhece a resposta ou quando se quer enfatizar um aparente contra-senso na argumentação de alguém. O problema é quando se preenchem linhas inteiras com perguntas cujo objetivo único e exclusivo é atestar a suposta ladicine do autor. Perguntam e já vão dando uma risadinha gutural, antes mesmo que consigamos abarcar a idiotice da pergunta em todo seu esplendor.

As risadinhas, o dedilhado no vácuo, o revirar de olhos, o esfregar das mãos, os passos de dança... todos eles concorrem para formar a imagem de um ser odiento, quando não sumariamente pegajoso, que insiste em querer definir o que é ou não é correto. Na minha República, a vulgaridade seria a primeira entidade a ser expulsa.