17 julho, 2006

Em Busca de Sentido

He who has a why to live can bear with almost any how.
- Nietzsche
Viktor E. Frankl (1905-1997) é mundialmente conhecido como o fundador da chamada Terceira Escola Vienense de Psicoterapia (teve como predecessores Freud e Adler), em que propugna sua principal criação intelectual, a logoterapia (do grego logos, conhecimento). A logoterapia se opõe à psicanálise de Freud na medida em que esta última se concentra em acontecimentos passados e em fenômenos inconscientes para explicar eventuais distúrbios psicológicos, enquanto que a teoria de Frankl se preocupa principalmente com o futuro; ela reconhece na ausência de uma significação ulterior para nossa existência (que, a rigor, jamais chegará a ser-nos conhecido) a explicação para o chamado "vácuo existencial", o existential vacuum a que se refere com tanta frequência.

Daí o título de seu livro mais famoso, Man's Search for Meaning, em que relata, na primeira parte, Experiences in a Concentration Camp, algumas de suas experiências durante o período de três anos em que foi interno de alguns campos, principalmente o de Auschwitz. Frankl acredita piamente que o ser humano, quando submetido a situações extremas de sofrimento e privação, revelar-se-á "um porco ou um santo", a depender de sua maturidade espiritual. Ora, isso entra em conflito direto com a famosa declaração de Freud:
Let one attempt to expose a number of the most diverse people uniformly to hunger. With the increase of the imperative urge of hunger all individual differences will blur, and in their stead will appear the uniform expression of the one unstilled urge.
A essa asserção, Frankl responde placidamente:
Thank heaven, Sigmund Freud was spared knowing the concentration camps from the inside. His subjects lay on a couch designed in the plush style of Victorian culture, not in the filth of Auschwitz. There, the "individual differences" did not "blur" but, on the contrary, people became more different; people unmasked themselves, both the swine and the saints.
Que dizer? Freud teve a infelicidade de descrever uma situação cuja melhor ilustração prática é o campo de concentração, precisamente a realidade conhecida tão bem por Frankl. Cabe aqui uma observação importante, que apesar de óbvia é esquecida por muitos: a experiência pessoal não é imprescindível para que se faça esse tipo de julgamento. Apenas é necessário que alguém tenha tido a experiência pessoal. A arrogância de certos 'pensadores engajados' é tal que, a depender deles, só está qualificado para opinar quem passa seus dias na rua, acompanhando de perto a 'realidade cruel dos fatos'. Acompanham a realidade tão de perto que, não raro, têm verdadeira aversão aos livros.

Segundo a logoterapia, podemos conferir sentido à nossa existência de três maneiras distintas: (a) através dos resultados de nossos esforços (trabalho), (b) através de uma intensa experiência com algo (beleza, bondade, verdade) ou com alguém (amor) e (c) através do sofrimento. Essas definições exigem algum esclarecimento: o fenômeno indicado no item (b), em sua primeira parte, é exclusivamente introspectivo; ele prescinde de qualquer realização palpável e/ou concreta. Trata-se de uma conquista inteiramente espiritual e pessoal, e por isso mesmo tende a ter uma importância insubstituível. O item (c) diz respeito à postura com que enfrentamos qualquer tipo de sofrimento; se chegamos à conclusão de que o sofrimento, assim como a morte, é parte indossolúvel da vida, convém estar preparado para recebê-lo com dignidade. E isso só será possível se formos capazes de consignar significado a ele. O que não significa dizer, claro está, que o sofrimento seja uma necessidade; sucumbir a um estado de penúria que pode ser evitado não é heroísmo: é preguiça.

A segunda parte do livro, Logotherapy in a Nutshell é uma tentativa de, em poucas páginas, expor os princípios básicos da logoterapia. Apesar de bastante prática, não me parece ter sido boa idéia: ao final das quarenta e poucas páginas, nas quais Frankl inclusive relata alguns casos clínicos, tem-se a impressão de que sua teoria é uma panacéia aplicável a todos os males (a impressão é tão forte que o próprio Frankl nos adverte quanto a ela, quando já é tarde demais). A narrativa da experiência nos campos de concentração, entremeada pelos comentários de cunho psiquiátrico, já é mais que suficiente para esse esforço introdutório. Não deixa de ser curioso que seja ninguém menos que Nietzsche o autor do motto de sua filosofia: aquele que tem um porquê em sua vida pode suportar quase qualquer como.