Acho que não constitui paradoxo nenhum dizer que só é realmente livre quem é livre para obedecer ou, em outras palavras, deixar-se levar por algo ou alguém. O homem que acredita em si mesmo a ponto de não admitir qualquer tipo de autoridade está, como insistia Chesterton, mais perto do manicômio que da liberdade.
É curioso como a crença libertária, que gostaria de ver o princípio da liberdade individual estendido ad infinitum, sem qualquer espécie de autoridade que o controle e/ou o regule, acaba nos levando a uma situação tão sufocante quanto a ditadura de um homem só. Essa autoridade tambem é, claro está, uma escolha individual, mas ela deve ser clara o suficiente para que todos possam percebê-la e utilizá-la como mediadora em qualquer diálogo. Quando alguém diz seguir um código moral que foi todo forjado por ele próprio, ou que nada faz além de seguir o próprio bom senso, ele está candidamente confessando que é tão imprevisível (e perigoso) quanto uma besta raivosa. Uma sociedade em que cada indivíduo determina as linhas gerais de sua 'moral' é um apanhado de ilhas incomunicáveis e não raro mutuamente hostis.
A insistência em manter-se numa posição de pretensa soberania deve ser a característica mais recorrente de uma mente desacostumada à soberania. Quando me aparece um grupo qualquer garantindo que é oprimido porque não lhe são concedidas regalias especiais ou porque seus antepassados foram oprimidos, sou forçado a concordar. Ainda que os opressores não sejam quem eles imaginam, senão eles mesmos.
Essa tendência fica evidente quando se trata de alardear a própria autonomia aos quatro ventos, como se numa única existência nos fosse dado entrever uma conduta que, apesar de provavelmente incompatível com todo o restante da humanidade, é certamente o que há de mais perfeito para si (o multiculturalismo não parece ser senão isso estendido a grupos). O jovem independente repele qualquer declaração do tipo "estou em suas mãos, faça o que achar melhor" porque enxerga nisso uma espécie preguiça intelectual (a qual só o incomoda quando atrapalha seu direito de rebelar-se), jamais confiança ou empatia. A mulher principalmente já parece ter perdido boa parte do seu direito de obedecer, ou, antes, tem o direito de obedecer apenas à desobediência em voga.
Uma nação genuinamente democrática ilustra de maneira admirável a liberdade de obediência. Num ambiente onde prevalece a liberdade de expressão, supõe-se de início que a ausência quase total de controle sobre a opinião dos indivíduos gerará correntes e contracorrentes de opiniões que poderiam dificultar ou até mesmo impossibilitar o estabelecimento de qualquer valor ou opinião com aspirações à universalidade. Supõe-se também que um valor desse tipo só poderia vir a se concretizar sob um governo centralizado e coercitivo. Ora, ocorre justamente o contrário: os ideais mais profundos de uma nação tornam-se ainda mais profundos porque são constantemente desafiados. A adesão a esses ideais se dá não pela força, mas por iniciativa própria, por obediência espontânea, e essa adesão mostra-se tão mais forte pelo mesmo motivo. Passado um determinado tempo, chega-se ao tácito consenso de que qualquer mudança seria não só perigosa, mas também inatural: o que era admirado por ser apenas correto passa a sê-lo também por ser nosso.
A decisão de obedecer a algo que julgamos acima de nossa alçada representa uma abdicação apenas parcial e necessária, já que, com o limitado discernimento que nos é dado, devemos ser capazes de precisar que algo é esse. Se o homem não deve confiar apenas ou plenamente em si mesmo, deve saber em quem confiar.
É curioso como a crença libertária, que gostaria de ver o princípio da liberdade individual estendido ad infinitum, sem qualquer espécie de autoridade que o controle e/ou o regule, acaba nos levando a uma situação tão sufocante quanto a ditadura de um homem só. Essa autoridade tambem é, claro está, uma escolha individual, mas ela deve ser clara o suficiente para que todos possam percebê-la e utilizá-la como mediadora em qualquer diálogo. Quando alguém diz seguir um código moral que foi todo forjado por ele próprio, ou que nada faz além de seguir o próprio bom senso, ele está candidamente confessando que é tão imprevisível (e perigoso) quanto uma besta raivosa. Uma sociedade em que cada indivíduo determina as linhas gerais de sua 'moral' é um apanhado de ilhas incomunicáveis e não raro mutuamente hostis.
A insistência em manter-se numa posição de pretensa soberania deve ser a característica mais recorrente de uma mente desacostumada à soberania. Quando me aparece um grupo qualquer garantindo que é oprimido porque não lhe são concedidas regalias especiais ou porque seus antepassados foram oprimidos, sou forçado a concordar. Ainda que os opressores não sejam quem eles imaginam, senão eles mesmos.
Essa tendência fica evidente quando se trata de alardear a própria autonomia aos quatro ventos, como se numa única existência nos fosse dado entrever uma conduta que, apesar de provavelmente incompatível com todo o restante da humanidade, é certamente o que há de mais perfeito para si (o multiculturalismo não parece ser senão isso estendido a grupos). O jovem independente repele qualquer declaração do tipo "estou em suas mãos, faça o que achar melhor" porque enxerga nisso uma espécie preguiça intelectual (a qual só o incomoda quando atrapalha seu direito de rebelar-se), jamais confiança ou empatia. A mulher principalmente já parece ter perdido boa parte do seu direito de obedecer, ou, antes, tem o direito de obedecer apenas à desobediência em voga.
Uma nação genuinamente democrática ilustra de maneira admirável a liberdade de obediência. Num ambiente onde prevalece a liberdade de expressão, supõe-se de início que a ausência quase total de controle sobre a opinião dos indivíduos gerará correntes e contracorrentes de opiniões que poderiam dificultar ou até mesmo impossibilitar o estabelecimento de qualquer valor ou opinião com aspirações à universalidade. Supõe-se também que um valor desse tipo só poderia vir a se concretizar sob um governo centralizado e coercitivo. Ora, ocorre justamente o contrário: os ideais mais profundos de uma nação tornam-se ainda mais profundos porque são constantemente desafiados. A adesão a esses ideais se dá não pela força, mas por iniciativa própria, por obediência espontânea, e essa adesão mostra-se tão mais forte pelo mesmo motivo. Passado um determinado tempo, chega-se ao tácito consenso de que qualquer mudança seria não só perigosa, mas também inatural: o que era admirado por ser apenas correto passa a sê-lo também por ser nosso.
A decisão de obedecer a algo que julgamos acima de nossa alçada representa uma abdicação apenas parcial e necessária, já que, com o limitado discernimento que nos é dado, devemos ser capazes de precisar que algo é esse. Se o homem não deve confiar apenas ou plenamente em si mesmo, deve saber em quem confiar.
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