Uma inversão curiosa que se observa atualmente é a referente ao orgulho pessoal. É comum vermos gente se orgulhando de coisas perfeitamente banais, enquanto que o que há de realmente digno de orgulho é ou ignorado ou tido como objeto de pernosticismo. Vejam o exemplo do vestibular: se existe algo que poderia ser considerado politicamente incorreto é vangloriar-se de sucesso no vestibular, já que o sucesso de um implica o fracasso de um outro. Ainda assim isso é o que de melhor podemos dizer de um adolescente hoje em dia: passou no exame.
Inversamente não encontramos quem se orgulhe por gostar de Evelyn Waugh ou das cantatas de Bach. Não que os apreciadores não os apreciem sinceramente: apenas não se orgulham disso. O máximo que se percebe é desprezo pelo de que não gostam. Não se entende exatamente o porquê da situação; certamente não há nada de descortês na idéia. O fato de eu gostar das cantatas de Bach (e de me orgulhar disso) não impede que algum outro também goste delas, tampouco impede que as canções dos Los Hermanos ou Virginia Woolf sejam igualmente dignos de admiração (não são).
É engraçado: passar no vestibular é sempre agradável, mas não diz respeito a nós mesmos, pelo menos não diretamente. O que se espera de um bom aluno é simplesmente a resolução correta das questões, mas as resoluções corretas já existem antes mesmo que o aluno leia a prova. É uma questão de treinamento. O tipo de orgulho aí envolvido é o mesmo que sentimos quando conseguimos correr uma determinada distância pela primeira vez.
Bem mais difícil é gostar de Graciliano Ramos, digo gostar genuinamente. Tanto é que se nos perguntam por que gostamos de Graciliano Ramos, hesitamos ao responder, a menos que se queira dar uma resposta de orelha de livro. E, se conseguimos uma resposta satisfatória, já demos nossa contribuição à humanidade. Estigmatizar esse tipo de orgulho é estigmatizar um dos maiores prazeres que nos são concedidos, e é fazê-lo gratuitamente. Acho boa idéia encarar a questão do gosto como uma infinidade de bolhas: quem gosta de Graciliano está dentro da bolha Graciliano. Seja qual for a nossa impressão dos que estão de fora, já estamos confortavelmente alojados, e isso é bom. Voltamos a vista para os que estão dentro e eis que percebemos que continuamos sozinhos: de fato, alguns dos motivos com que muitos justificam sua presença na bolha nos parecem tão desprezíveis que se nos afiguraria preferível, caso estivessémos no lugar deles, sair fora. Se lembramos que estamos em várias outras bolhas ao mesmo tempo, a chance de encontrarmos alguém ao nosso lado, pelos mesmos motivos, é naturalmente nula.
Esse é o tipo de orgulho que me parece mais natural, ainda que seja incomunicável. É o menos egoísta que pode existir porque ele é, por definição, só nosso; é ele que nos define. Egoísta seria querer compartilhá-lo, já que isso equivaleria a uma tentativa de privar outrem da mesma oportunidade. Joseph Conrad dizia que vivemos, assim como sonhamos, sozinhos. Ainda bem.
Inversamente não encontramos quem se orgulhe por gostar de Evelyn Waugh ou das cantatas de Bach. Não que os apreciadores não os apreciem sinceramente: apenas não se orgulham disso. O máximo que se percebe é desprezo pelo de que não gostam. Não se entende exatamente o porquê da situação; certamente não há nada de descortês na idéia. O fato de eu gostar das cantatas de Bach (e de me orgulhar disso) não impede que algum outro também goste delas, tampouco impede que as canções dos Los Hermanos ou Virginia Woolf sejam igualmente dignos de admiração (não são).
É engraçado: passar no vestibular é sempre agradável, mas não diz respeito a nós mesmos, pelo menos não diretamente. O que se espera de um bom aluno é simplesmente a resolução correta das questões, mas as resoluções corretas já existem antes mesmo que o aluno leia a prova. É uma questão de treinamento. O tipo de orgulho aí envolvido é o mesmo que sentimos quando conseguimos correr uma determinada distância pela primeira vez.
Bem mais difícil é gostar de Graciliano Ramos, digo gostar genuinamente. Tanto é que se nos perguntam por que gostamos de Graciliano Ramos, hesitamos ao responder, a menos que se queira dar uma resposta de orelha de livro. E, se conseguimos uma resposta satisfatória, já demos nossa contribuição à humanidade. Estigmatizar esse tipo de orgulho é estigmatizar um dos maiores prazeres que nos são concedidos, e é fazê-lo gratuitamente. Acho boa idéia encarar a questão do gosto como uma infinidade de bolhas: quem gosta de Graciliano está dentro da bolha Graciliano. Seja qual for a nossa impressão dos que estão de fora, já estamos confortavelmente alojados, e isso é bom. Voltamos a vista para os que estão dentro e eis que percebemos que continuamos sozinhos: de fato, alguns dos motivos com que muitos justificam sua presença na bolha nos parecem tão desprezíveis que se nos afiguraria preferível, caso estivessémos no lugar deles, sair fora. Se lembramos que estamos em várias outras bolhas ao mesmo tempo, a chance de encontrarmos alguém ao nosso lado, pelos mesmos motivos, é naturalmente nula.
Esse é o tipo de orgulho que me parece mais natural, ainda que seja incomunicável. É o menos egoísta que pode existir porque ele é, por definição, só nosso; é ele que nos define. Egoísta seria querer compartilhá-lo, já que isso equivaleria a uma tentativa de privar outrem da mesma oportunidade. Joseph Conrad dizia que vivemos, assim como sonhamos, sozinhos. Ainda bem.
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