Falando em Olavo de Carvalho, ele esteve envolvido em duas das investidas contra religião mais tresloucadas que vi nos últimos tempos: a primeira, de Janer Cristaldo, já tem um tempinho, e a de Rodrigo Constantino é tema dos artigos mais recentes do Olavo, apesar de a discussão (se é que se pode chamá-la assim) ter começado no Orkut, na comunidade do próprio Olavo.
O que mais chamou minha atenção nesses episódios anti-religiosos (ou, mais especificamente, anticristãos) é a homogeneidade dos 'argumentos': raramente a Inquisição não é pintada como a entidade mais sanguinária do período medieval, raramente os maiores líderes religiosos não são porcos gananciosos e enganadores, interessados apenas em fama e riquezas materiais, e propugnadores de toda sorte de autoritarismos e restrições às liberdades do indivíduo. Para finalizar, como prova cabal de que qualquer forma de religião institucionalizada é mesmo coisa para idiotas retrógrados, produz-se uma listinha de ilustres ateus cujos destaques são invariavelmente Bertrand Russell e Jean-Paul Sartre, dois dos maiores mistificadores do século passado. Qualquer semelhança com seu próprio comportamento aos 15 anos de idade não é mera coincidência.
As deturpações reproduzidas acima podem, a princípio, ser corrigidas com informações em sua forma mais bruta: contra a acusação de que os tribunais inquisitoriais eram cruéis, podemos lembrar que os civis eram-no mais ainda; contra a assunção de que líderes religiosos são necessariamente facinorosos, rápidos esboços biográficos demonstram que não só isso não é verdade como que a impudicícia moral é muito mais abundante entre autoridades seculares; em oposição à listinha de ateus, podemos produzir outra (para ficar só com cristãos) contendo os nomes de Dante, Tomás de Aquino, Newton, Leibniz, Bach, Dostoievski e Carpeaux.
Mas, como é claro, chegar à simples conclusão de que a religião não é um embuste global, supratemporal e maquiavélico não é suficiente, apesar de até isso ser difícil nos dias que correm. Mesmo os ditos 'tolerantes' não admitem que os 'crentes' creiam publicamente, isto é, que elevem suas convicções à forma de um estilo de vida (a não ser que esse estilo se confunda com o estilo secular vigente): religião deve ser coisa particular, quase secreta, praticada na forma de uma oraçãozinha na hora de dormir, a portas trancadas. O que não puder ser observado em laboratórios deve imediatamente ser retirado de qualquer argumentação dita 'racional'; o que não puder ser reduzido a uma simples relação de causa e efeito é por força delírio pessoal ou superstição: a temível pseudociência. Ocorre que essa exigência é tão opressora quanto determinar que um marxista só fale de materialismo dialético na cama, ou que um kantiano só fale de Razão (ou que um hegeliano só fale de História ou que um voltaireano só fale de bom senso) quando estiver num mood fantasioso e/ou lírico. A existência da História de Hegel é tão evidente quanto a de um Deus na forma de um icosaedro.
É essa exigência absurda que está por trás da obsessão que todo bom ateu demonstra ao exigir uma 'demonstração' da existência de Deus. A demonstração vai entre aspas porque ela está além de qualquer ponderação filosófica (que ele supõe ser impossível ou mera divagação por se tratar de um assunto tão 'abstrato' e 'pessoal'): o sujeito quer nada menos que a foto de um velho barbado, vestido numa túnica, passeando de estrela em estrela ou dando uma corridinha nos anéis de saturno. Ou, como na aquarela de William Blake acima, dando uma de onipotente. A palavra incompatibilidade (assim como a incompatibilidade entre ciências humanas e exatas que vimos no post sobre Berlin) não poderia ter melhor emprego que esse: um mecanicista, ainda fascinado com os bloquinhos de Newton, tentando entender metafísica.
O que mais chamou minha atenção nesses episódios anti-religiosos (ou, mais especificamente, anticristãos) é a homogeneidade dos 'argumentos': raramente a Inquisição não é pintada como a entidade mais sanguinária do período medieval, raramente os maiores líderes religiosos não são porcos gananciosos e enganadores, interessados apenas em fama e riquezas materiais, e propugnadores de toda sorte de autoritarismos e restrições às liberdades do indivíduo. Para finalizar, como prova cabal de que qualquer forma de religião institucionalizada é mesmo coisa para idiotas retrógrados, produz-se uma listinha de ilustres ateus cujos destaques são invariavelmente Bertrand Russell e Jean-Paul Sartre, dois dos maiores mistificadores do século passado. Qualquer semelhança com seu próprio comportamento aos 15 anos de idade não é mera coincidência.
As deturpações reproduzidas acima podem, a princípio, ser corrigidas com informações em sua forma mais bruta: contra a acusação de que os tribunais inquisitoriais eram cruéis, podemos lembrar que os civis eram-no mais ainda; contra a assunção de que líderes religiosos são necessariamente facinorosos, rápidos esboços biográficos demonstram que não só isso não é verdade como que a impudicícia moral é muito mais abundante entre autoridades seculares; em oposição à listinha de ateus, podemos produzir outra (para ficar só com cristãos) contendo os nomes de Dante, Tomás de Aquino, Newton, Leibniz, Bach, Dostoievski e Carpeaux.
Mas, como é claro, chegar à simples conclusão de que a religião não é um embuste global, supratemporal e maquiavélico não é suficiente, apesar de até isso ser difícil nos dias que correm. Mesmo os ditos 'tolerantes' não admitem que os 'crentes' creiam publicamente, isto é, que elevem suas convicções à forma de um estilo de vida (a não ser que esse estilo se confunda com o estilo secular vigente): religião deve ser coisa particular, quase secreta, praticada na forma de uma oraçãozinha na hora de dormir, a portas trancadas. O que não puder ser observado em laboratórios deve imediatamente ser retirado de qualquer argumentação dita 'racional'; o que não puder ser reduzido a uma simples relação de causa e efeito é por força delírio pessoal ou superstição: a temível pseudociência. Ocorre que essa exigência é tão opressora quanto determinar que um marxista só fale de materialismo dialético na cama, ou que um kantiano só fale de Razão (ou que um hegeliano só fale de História ou que um voltaireano só fale de bom senso) quando estiver num mood fantasioso e/ou lírico. A existência da História de Hegel é tão evidente quanto a de um Deus na forma de um icosaedro.
É essa exigência absurda que está por trás da obsessão que todo bom ateu demonstra ao exigir uma 'demonstração' da existência de Deus. A demonstração vai entre aspas porque ela está além de qualquer ponderação filosófica (que ele supõe ser impossível ou mera divagação por se tratar de um assunto tão 'abstrato' e 'pessoal'): o sujeito quer nada menos que a foto de um velho barbado, vestido numa túnica, passeando de estrela em estrela ou dando uma corridinha nos anéis de saturno. Ou, como na aquarela de William Blake acima, dando uma de onipotente. A palavra incompatibilidade (assim como a incompatibilidade entre ciências humanas e exatas que vimos no post sobre Berlin) não poderia ter melhor emprego que esse: um mecanicista, ainda fascinado com os bloquinhos de Newton, tentando entender metafísica.
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