08 janeiro, 2007

A Mania do Moderno

Se deixamos de lado qualquer mentalidade imediatista (no sentido nada pejorativo do termo), noções de 'atualidade' e 'modernidade' perdem boa parte de seu significado, graças, em boa medida, ao uso desregrado que se faz dos termos. Dizer que uma obra de ficção é 'moderna' ou 'atual' já quase equivale a dizer que ela é 'boa'. Ensaístas e resenhistas fazem das tripas coração para encontrar um argumento que lhes permita coroar a obra sob análise com o famigerado 'moderno'. Maquiavel é moderno. Shakespeare é moderno. Racine é moderno. Bernard Shaw é moderno. Brecht é moderno. Alguém seria capaz do prodígio de indicar um dramaturgo que, sendo excelente à sua maneira, consiga escapar do rótulo 'moderno' (isto é, minimamente atual) na sua acepção mais ampla? Isso parece ser impossível porque a acepção de 'moderno', hoje, é tão ampla quanto se queira.

Certamente esses autores (e quaisquer outros dignos de nota) são modernos no sentido de que têm sempre algo pertinente a nos dizer; conselhos e impressões e julgamentos que, por mais estranhos que nos pareçam, ainda preservam um tom em comum com nossas próprias convicções. Se seus motivos nos fossem completamente ininteligíveis, simplesmente não os leríamos: jogaríamos a obra de Shakespeare no lixo e equipararíamos Otelo a um cão raivoso, indigno de qualquer simpatia. Mas entender isso como modernidade é esvaziar a palavra de seu significado.

Mais que o óbito de uma palavra, essa mania parece representar um fascínio nosso por tudo que se propõe a ser modernoso: lemos em livros didáticos que esse autor se desfez das 'amarras do passado' e que aquele outro se livrou das 'correntes da convenção' como se as tais amarras e convenções fossem necessariamente contrárias à natureza humana. A liberalidade que hoje nos entusiasma será, no seu devido tempo, também desafiada por radicais que não raro defendem valores que, para os radicais da geração passada, eram considerados reacionários. All's well that changes well.