02 maio, 2006

Dialética Erística


A edição brasileira (Topbooks) de Como Vencer um Debate sem Precisar Ter Razão, de Arthur Schopenhauer, é mais um livro do Olavo de Carvalho que do próprio Schopenhauer. Comentado à exaustão, tem-se a impressão de que, ao lê-lo, estamos a tentar resolver um problema com sua solução (ou pelo menos uma de suas soluções) já em mãos. Aos que já estão familiarizados com a idéia schopenhaueriana de dialética, a leitura desse volume é boa idéia. Os que preferirem algum tempo sozinhos com a obra antes de conhecer a opinião de outrem devem recorrer ou à edição espanhola (El Arte de Tener Razón, preparada por Dionísio Garzón), ou ao texto em inglês, The Art of Controversy, disponível aqui.

Os comentários do Olavo são bastante úteis quando procuram ilustrar, com exemplos atuais, os estratagemas descritos por Schopenhauer. Percebe-se com facilidade, mesmo quando não há exemplos, que muitos dos estratagemas ainda são largamente empregados, ainda que inconscientemente. Vale lembrar que apesar de a dialética ser, para o alemão, a lógica das aparências, isto é, a 'arte' de vencer um debate (não importanto, portanto, a legitimidade de nossos argumentos), muitos dos estrategemas podem ser usados, eventualmente, para defender idéias verdadeiras. De onde segue que é perigoso acusar alguém de empregar o artifício número tal de Schopenhauer, como se isso implicasse, de imediato, o charlatanismo do contendor. Muitas vezes, trata-se antes de debilidade lógica que de má intenção.

Nesse sentido a dialética (de Schopenhauer) se distancia bastante da sofística aristotélica, em que os argumentos a serem defendidos são necessariamente falsos. O tratado inteiro pretende ser uma 'continuação' de Aristóteles (Schopenhauer afirma que o Estagirita não definira dialética com suficiente rigor); para este último, porém, a dialética não fica restrita à discussão ou ao debate: ela seria, também, uma lógica investigativa, em que o intuito maior é chegar à verdade, e não fazer com que os outros acreditem nisso. É exatamente essa a questão que o Olavo aborda com mais frequência em seus comentários.

Cumpre entender, então, o porquê de Schopenhauer ter distorcido a acepção aristotélica de dialética (as consequências ulteriores dessa decisão na filosofia do alemão também são discutidas no comentário). Ora, como bom opositor de Hegel, resolveu atacá-lo também, e principalmente, pelo flanco dialético. A idéia de que a dialética necessariamente representa uma argumentação capciosa, em que a verdade aparece apenas circunstancialmente, parece advir da certeza de que a filosofia de Hegel não passava de um embuste:
If I were to say that the so-called philosophy of this fellow Hegel is a colossal piece of mystification which will yet provide posterity with an inexhaustible theme for laughter at our times, that it is a pseudo-philosophy paralyzing all mental powers, stifling all real thinking, and, by the most outrageous misuse of language, putting in its place the hollowest, most senseless, thoughtless, and, as is confirmed by its success, most stupefying verbiage, I should be quite right.
Seja como for, fica sua Dialética Erística, guia útil para os que queiram prevenir-se contra a desonestidade intelectual, tão comum nos dias que correm.