03 maio, 2006

Um Prefácio a Ser Escrito

Folheando (mais uma) antologia de contos da Lygia Fagundes Telles, vou, naturalmente, direto ao prefácio. Ali ouvimos falar de como foi difícil reuni-los, de como o processo de seleção é árduo e penoso. Num repente o mais completo pavor inunda minh'alma: penso ter lido que os contos lhe são caros como filhos. Felizmente o presságio não se verifica.

Quem já tentou escrever o que quer que seja, mormente ficção, conhece bem a relação conflituosa entre autor e obra. Nunca se está satisfeito com o resultado etc. Todos sabemos disso. A necessidade de externar essa angústia em prefácios abstrusos e reticentes me parece uma excelente ilustração do contato entre modéstia e vaidade.

Telles é uma vítima conjuntural, talvez nem se dê conta disso. Não ocorre o mesmo com Clarice Lispector. Penso logo em suas entrevistas, em que gostava de imprimir longos e embaraçosos silêncios. Penso também que nunca se chegou a níveis comparáveis de pernosticismo. Há James Joyce, dirão. Mas James Joyce era de uma simplicidade desconcertante ao confessar-nos suas intenções: desejava ser analisado anos, gerações afora. Singelíssimo desejo, que pode ser negado com igual singeleza, assim como fez Carpeaux: "Não, senhor. Tenho mais que fazer."

Lispector, por outro lado, insiste num rococó psicológico destrambelhado; tenciona macular o mais inocente dos silêncios. Sou, como é sabido, um inconteste defensor do silêncio. Mas me refiro ao silêncio que se opõe à gritaria, não ao que lhe presta louvores mal disfarçados. Refiro-me ao silêncio que, talvez ingenuamente, procura ordenar e entender, não ao que se desdobra em convite à tergiversação gratuita.