02 março, 2007

Crônicas da Vovó

A velhice é provavelmente o ideal mais romântico que cultivo e, a despeito disso ou talvez por isso mesmo, evito qualquer contato mais próximo com idosos. Meus avós paternos ainda são vivos mas nossos encontros são de tal maneira esparsos e superficiais que meus devaneios sobre a condição dos velhos não costumam ser afetados. Em verdade, meu avô raramente fala, apesar de ser exemplarmente saudável para um ancião de 86 anos. Não me sinto desconfortável ao confessar esse sintoma de indolência intelectual: ele só pode fazer mal a mim mesmo.

O primeiro e mais óbvio aspecto é o do acúmulo de conhecimento, a questão da experiência etc. e tal. Tudo isso é reconhecido popularmente, mas o fato é que não costumamos ter muita paciência com os coitados. Nada obstante ouvirmos o que têm a dizer com certa reverência mal disfarçada, parece existir o tácito consenso de que tudo quanto dizem é velharia e que só poderia ser válido, quando muito, na época em que eles mesmos eram jovens (ou seja, há mais de 50 anos), como se nossa capacidade cognitiva necessariamente sofresse uma espécie de congelamento (ou até regressão) quando passamos dos 70. Pode-se dizer que o espírito de nossa época é 'jovem': os jovens querem ser jovens e os velhos querem-no mais ainda. Talvez por isso eu os prefira calados.

Isso deve explicar o fato de tantos velhos quererem 'rejuvenescer' mentalmente. Ouve-se sempre aquela baboseira: D. Maria tem 80 anos, mas a mentalidade é de um garota. Pergunto eu: por que diabos D. Maria gostaria de ter a mentalidade de uma garota? Estudou, trabalhou, viajou, enfim, viveu por 80 anos apenas para ser violentamente jogada de volta ao próprio passado? Uma velha usando roupas curtas é tão ridículo quanto um adolescente jogando paciência o dia inteiro ou tomando remédio para artrite.

Voltando à questão do acúmulo de conhecimentos. O lado perigoso disso é que, realmente, a capacidade de mudanças drásticas parece estar entre as 'camadas' intelectuais mais jovens, o que não deixa de ser lógico. É como se tivéssemos de expulsar qualquer resquício de burrice antes que o processo de mero acúmulo tenha início. Se isso não for feito, haverá apenas dois caminhos possíveis: o primeiro é a consolidação e até a radicalização da burrice, um processo aparentemente sem volta (alguém ainda nutre esperanças de que Saramago ou até mesmo Chico Buarque, esse último ainda bem jovenzinho para os padrões desse post, venham a dizer coisa com coisa em matérias de política?); o segundo, que comparativamente seria uma benção, é o do arrefecimento geral, um declínio de qualquer entusiasmo, de tal maneira que a burrice, se não for diminuída, pelo menos permanecerá inconspícua.

Mas o mais fascinante da velhice (e esse é o aspecto verdadeiramente romântico da minha perspectiva) é a resignação, a serenidade dos que sabem envelhecer. Perde-se tudo: a família morre, os amigos morrem, até a força das pernas se lhes vai embora e eles permanecem (não por niilismo, quero crer) impassíveis e ciosos de sua própria desimportância, mas nem por isso menos orgulhosos. Os que sabem envelhecer devem encarar com um desprezo enorme a mania juvenil dos velhinhos modernos; esses últimos não só não entendem o mundo dos jovens como se julgam irremediavelmente atrelados a ele. O velho-jovem é o eterno estrangeiro, a stranger in a strange land.