21 março, 2007

The King's Wits

Samuel Taylor Coleridge observa que King Lear é a única obra mais séria de Shakespeare (com a possível exceção de The Merchant of Venice) cuja trama principal se desenvolve a partir de uma grande improbabilidade: Lear decide dividir seu reino igualmente entre as três filhas, mas, para satisfazer o orgulho real, dá a entender que herdará mais aquela que melhor mostrar, com palavras, o amor pelo pai. As duas primeiras, Goneril e Regan, com uma retórica vazia mas ostentosa, recebem seus terços respectivos, como já era de se esperar. Cordelia, por birra ou por achar que o coração não lhe chegava à boca, foi mais seca. Lear, enfurecido, resolveu deserdá-la:
Lear: [...] What can you say, to draw
A third, more opulent than your sister's? Speak.

Cordelia: Nothing my Lord.

Lear: Nothing?

Cordelia: Nothing.

Lear: Nothing will come of nothing, speak again.

Cordelia: Unhappy that I am, I cannot heave
My heart into my mouth: I love your Majesty
According to my bond, no more no less.

Lear: How, how Cordelia? Mend your speech a little
Lest you may mar your Fortunes.
Mas o que Coleridge também observa é que esse primeiro episódio é completamente desnecessário para explicar a subsequente desestruturação da família real. Subtrai-se a primeira cena e a peça continua com todo o seu sentido. Em verdade, no final da primeira cena mesma Goneril e Regan já começam a conspirar contra o pai, dando a entender que havia, afinal, motivo para decepção, só que não com Cordelia. O episódio inicial, apesar de servir de estopim para a decepção (que eventualmente o levaria à loucura) de Lear com as filhas, serve apenas como detalhe excêntrico, para alguns primeiro indício do colapso mental que acometeria o rei pouco mais tarde. As barbaridades perpetradas por Goneril e Regan nas próximas páginas, porém, dão verossimilhança à loucura de Lear, mesmo se aceitamos que ele estava completamente são no início. Ele mesmo percebe o mal que se avizinha:
Lear: [...] O most small fault,
How ugly didst thou in Cordelia show?
Which like an engine, wrench'd my frame of Nature
From the fix'd place: drew from my heart all love
And added to the gall. O Lear, Lear, Lear!
Beat at this gate that let thy folly in,
And thy dear judgement out.

...

Lear: O let me not be mad, not mad sweet heaven;
Keep me in temper, I would not be mad. [...]
A impressão que se tem é a de um embate com a loucura propriamente dita, um embate, seja dito de passagem, que não se pode ganhar. Gloucester percebe bem em que dificuldades se encontra quando sentencia: 'Tis the times' plague, when madmen lead the blind.