29 setembro, 2006

O Exército do Diabo

Janer Cristaldo, articulista do Mídia sem Máscara, tem sido alertado até pelo próprio Olavo de Carvalho quanto à sandice de seus últimos textos sobre religião. Ocorre que Cristaldo ainda está entusiasmado por ter, lá pelos confins de sua puberdade, rompido com a religiosidade que o circundava. Esbravejou um corajoso não às freirinhas do colégio. Esse conflito tipicamente juvenil está longe de ser incomum e já serviu de mote para alguns bons romances, com a ressalva de que todos eles retrataram-no quando de sua origem. O Portrait of the Artist as a Young Man já se revela pelo título: que ridículo não seria se, em vez do rapazote Dedalus, surgisse a figura de um ancião rememorando e exaltando as rebeldias de um passado longínquo? Certas verdades só servem para quem as descobriu.

Em um de seus últimos delírios, Cristaldo pretende mostrar que comunistas não são ateus. Argumenta que apenas trocaram o deus cristão pela História, pelo marxismo ou por qualquer outra baboseira análoga. Aí está, recém-saída do forno, fruto de uma ligeira e quase imperceptível troca, uma nova religião: formalmente comparável à cristã, apesar de sua gênese não passar de um exercício de terminologia. Cristaldo cita Camus e Kazantzakis como prova cabal de que o que houve na União Soviética foi realmente culto religioso. O que realmente surpreende, tanto nos comunistas como em Cristaldo, é a facilidade com que se desvencilham desse estorvo chamado cristianismo, como se fosse um par de sapatos passível de troca a depender da conveniência.

Numa tentativa meio desesperada de livrar a cara dos ateus, Cristaldo acaba fazendo pior: transfere boa parte da culpa aos cristãos. Sigamos sua lógica: se os comunistas, logo eles, engendraram um modelo de adoração perfeitamente semelhante ao cristão, algo de podre e condenável deve haver nesse modelo. E vai além:
Par contre, pergunte-se a qualquer um dos políticos que se beneficiaram de mensalões, propinas, esquema de sanguessugas, caixa 2, nepotismo, tráfico de influência ou tráfico de drogas, se ele acredita em Deus. Todos eles dirão que sim, pois não há no Brasil político que não acredite em Deus.
Seria o caso de perguntar: e daí? Na esperança de mostrar que nem todo ateu é moralmente desleixado, chega à obviedade, conhecida por qualquer torneiro mecânico, de que nem todo cristão é exatamente o supra-sumo da moralidade. Aprendemos do trecho abaixo, do conto a Igreja do Diabo de Machado de Assis, que há muitos modos de afirmar; a negação, porém, seja ela direta ou através da divinização de um embuste, é única:
Vá, pois, uma igreja, concluiu ele [o Diabo]. Escritura contra Escritura, breviário contra breviário. Terei a minha missa, com vinho e pão à farta, as minhas prédicas, bulas, novenas e todo o demais aparelho eclesiástico. O meu credo será o núcleo universal dos espíritos, a minha igreja uma tenda de Abraão. E depois, enquanto as outras religiões se combatem e se dividem, a minha igreja será única; não acharei diante de mim, nem Maomé, nem Lutero. Há muitos modos de afirmar; há só um de negar tudo.
Leiam o texto do Cristaldo aqui.