Hoje acordei meio aflito, achando que crescia em mim uma idéia originalíssima e genial quando percebi que, como sempre, não passava de uma reedição de algo que eu já tinha lido. A idéia do homem cordial já é hoje bem difundida, ainda que, graças em boa medida à confusão de Cassiano Ricardo, em sua forma corrompida. Nunca ouvi falar de outra expressão mais escandalosamente deturpada que o 'homem cordial' de Sérgio Buarque de Holanda. Talvez fosse possível encontrar rivais em tipos como 'seleção natural', 'materialismo dialético' etc., mas é natural que se escreva muita besteira sobre termos tão comentados. Já o homem cordial do Sérgio Buarque só aparece aqui e ali (até porque qualquer ciência social brasileira anterior a Florestan Fernandes é matéria para arqueólogos), invariavelmente em sua forma positiva: uma variação do velha obsessão brasileira pelo ideal do povo simpático e hospitaleiro; enfim, cordial.
A leitura do Raízes do Brasil já é suficiente pra deixar claro que não se trata disso (pelo menos não principalmente). Respondendo ao comentário de Cassiano Ricardo, Sérgio Buarque se vale da etimologia da palavra pra esclarecer o sentido que ele desejava alcançar: cordial, relativo ao coração. O brasileiro, segundo Sergio Buarque, quer que seu parceiro de negócios, seu patrão, seu cliente, seu funcionário etc. seja, antes de mais, seu amigo. Conta-se uma piadinha, convida-se o sujeito à mesa pra tomar umas, pra jogar futebol, pra conversar na praia. A confraternização sem motivo e descompromissada é o fenômeno brasileiro por excelência; é a expiação do pecado da discordância e da diferença. Joãozinho é adepto do canibalismo? Está tudo muito bem, tudo faz sentido se encarado sob determinado ponto de vista. Pedrinho vê o terrorismo como alternativa? Certamente devemos respeitar sua opinião.
Não admira, então, que nada seja tão raro hoje quanto um ponto de vista expresso com convicção, a não ser que seja o ponto de vista de que não é possível haver convicção. Tudo é mais ou menos aceitável, tudo tem direito a um lugarzinho na vala comum do discutível (há exceções, é claro: hábitos verdadeiramente genocidas como fumar). A verdade é que o brasileiro tem horror a se indispor com quem quer que seja. E, quando não há como evitar indisposições, tem de fazê-lo cordialmente, isto é, violentamente. Isso se verifica com facilidade em qualquer grande aglomerado de pessoas: se você trombar com alguém, a reação, caso haja alguma, é uma de duas: sorriso amigável ou soco no nariz.
Esse salto quântico do amor ao ódio também é observável mesmo em amizades de longa data. O padrão é evitar discussões, mas, caso elas surjam, parece difícil manter o tom civilizado por muito tempo. Que seria isso senão falta de prática? O hábito de discutir calmamente sem que seja necessário arbitrar um 'vencedor' ou mesmo uma conclusão satisfatória (que segundo alguns antigos seria a melhor maneira de obter qualquer conhecimento) é alheio ao temperamento brasileiro. Para evitar discussões, não vou nem sugerir que isso seja particularmente verdadeiro entre as mulheres.
A leitura do Raízes do Brasil já é suficiente pra deixar claro que não se trata disso (pelo menos não principalmente). Respondendo ao comentário de Cassiano Ricardo, Sérgio Buarque se vale da etimologia da palavra pra esclarecer o sentido que ele desejava alcançar: cordial, relativo ao coração. O brasileiro, segundo Sergio Buarque, quer que seu parceiro de negócios, seu patrão, seu cliente, seu funcionário etc. seja, antes de mais, seu amigo. Conta-se uma piadinha, convida-se o sujeito à mesa pra tomar umas, pra jogar futebol, pra conversar na praia. A confraternização sem motivo e descompromissada é o fenômeno brasileiro por excelência; é a expiação do pecado da discordância e da diferença. Joãozinho é adepto do canibalismo? Está tudo muito bem, tudo faz sentido se encarado sob determinado ponto de vista. Pedrinho vê o terrorismo como alternativa? Certamente devemos respeitar sua opinião.
Não admira, então, que nada seja tão raro hoje quanto um ponto de vista expresso com convicção, a não ser que seja o ponto de vista de que não é possível haver convicção. Tudo é mais ou menos aceitável, tudo tem direito a um lugarzinho na vala comum do discutível (há exceções, é claro: hábitos verdadeiramente genocidas como fumar). A verdade é que o brasileiro tem horror a se indispor com quem quer que seja. E, quando não há como evitar indisposições, tem de fazê-lo cordialmente, isto é, violentamente. Isso se verifica com facilidade em qualquer grande aglomerado de pessoas: se você trombar com alguém, a reação, caso haja alguma, é uma de duas: sorriso amigável ou soco no nariz.
Esse salto quântico do amor ao ódio também é observável mesmo em amizades de longa data. O padrão é evitar discussões, mas, caso elas surjam, parece difícil manter o tom civilizado por muito tempo. Que seria isso senão falta de prática? O hábito de discutir calmamente sem que seja necessário arbitrar um 'vencedor' ou mesmo uma conclusão satisfatória (que segundo alguns antigos seria a melhor maneira de obter qualquer conhecimento) é alheio ao temperamento brasileiro. Para evitar discussões, não vou nem sugerir que isso seja particularmente verdadeiro entre as mulheres.
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