11 dezembro, 2007

O Cronista Revira o Lixo (2)

Ainda no Fantástico de domingo passado eu vi uma entrevista com Oscar Niemeyer. Segundo consta, vai completar 100 anos de idade qualquer dia desses. Como filho de arquiteto, tive a felicidade de ouvir impropérios sobre Niemeyer desde que me entendo por gente: velho maluco, comuna safado, metido a artista etc. Todo cronista, articulista e homem público tem, diria eu, a obrigação de falar mal de Niemeyer. No mundo do politicamente correto, parece que eleger figuras emblemáticas pra servir de saco de pancadas já perdeu toda sua graça. Mas boa parte do charme da crônica advém justamente daí; aliás, aqueles que ainda não sucumbiram ao impessoalismo bonachão de hoje em dia já podem exigir que seus livros sejam expostos numa estante 'crônica heróica', a ser urgentemente implementada em todas as livrarias.

Quem diria que logo eu teria motivos especiais para depreciar a figura de Niemeyer? Pois sim: o alojamento da universidade em que estudo foi projetado pelo próprio, nos idos da década de 50. Há alguns outros prédios por lá projetados por ele, mas deles eu não poderia comentar mais que a aparência externa, a parte 'artística' da coisa. Dessa parte gosta-se ou não a critério, mas tenho a ligeira impressão de que Niemeyer não daria tanta vazão aos seus arroubos arquitetônicos caso tivesse de calcular as estruturas resultantes. Ninguém precisa saber o que são diagramas de momento fletor ou módulo de elasticidade de um material pra perceber que quando apoiamos uma estrutura enorme numa coluna fininha haverá dificuldades de cálculo. 'Mas é pra isso que existem os engenheiros', responderá Niemeyer ou um oponente imaginário qualquer, provavelmente formado em arquitetura. Idealmente, o engenheiro também existiria pra rejeitar projetos que abundam em gastos supérfluos.

Até aí tudo bem: há sempre quem consiga justificar (e pagar por) excentricidades pós-modernas. Problema mesmo surge quando o conforto do lugar fica comprometido. É o que acontece no alojamento onde moro. Mostra-se abaixo uma vista lateral do corredor de apartamentos num bloco qualquer. O sujeito que quiser sair pelos fundos pra visitar outro apartamento vai ter de (i) tomar chuva ou (ii) bater a cabeça num suporte que por algum motivo misterioso faz 45 graus com o teto.

O entrevistador do Fantástico perguntou a quem Niemeyer, aos 100 anos, pediria perdão. Respondeu que pediria a si mesmo, por ter vivido uma vida de muitos enganos. Devia pedir aos estudantes que até hoje batem a cabeça no concreto em sua memória.