10 dezembro, 2007

O Cronista Revira o Lixo (1)

Dessas frasezinhas de efeito que aprendemos em manuais juvenis de esperteza (leia-se: cronistas populares, professores espertalhões, familiares metidos a sábios etc.), a que parece ter maior longevidade é aquela que diz que é necessário um gênio para enxergar o óbvio. Não faço a mínima idéia de quem disse ou sugeriu isso pela primeira vez, mas a versão moderna de que mais gosto, como já devem ter percebido, é a do óbvio ululante de Nelson Rodrigues. Às vezes me pergunto: o que teria sido de Nelson Rodrigues sem a insurgência dos idiotas que ele mesmo tanto denunciou? O grande mérito de Nelson Rodrigues foi não ter sido um idiota.

Voltando à minha frase predileta: ouvi-a pela primeira vez de um professor de física, no ensino médio. A aula era sobre convecção térmica: fluido quente, mais leve, subindo; fluido frio, mais pesado, descendo. Óbvio, não? Mas e a formulação matemática disso? Não se estuda isso no ensino médio, mas parece evidente que quanto mais frio for o fluido frio e mais quente for o fluido quente maior será o fluxo de calor resultante. Todos nós sabemos que o ser humano atinge o ápice da burrice ali pelos 15, 16 anos de idade, mas mesmo nós, alunos, então com 15 ou 16 anos, concordamos quase unanimemente que a colocação era de fato evidente. Evidente porque, enfim, já havia sido enunciada muitos anos antes por ninguém menos que Isaac Newton, nessa que ficou conhecida como a lei da convecção de Newton (pois é, ele não gostava só de mecânica).

Lembrei tudo isso porque resolvi ligar a TV ontem enquanto jantava. No Fantástico, entrevistavam um casal cujo maior atrativo é ter permanecido junto por trinta e tantos anos. Não vou nem discutir o fato, grávido de significância antropológica, de um casamento que deu certo já gerar tanto espanto nos dias que correm. Importa notar é que, como eu temia, o entrevistador levantou a bola e o casal começou a falar de sua vida sexual. É ativa, claro, saudável, sim, divertida etc. O óbvio ululante nessa circunstância em particular é o seguinte: enquanto casais jovens devem se esforçar para não fazer sexo em público, o casal ancião deve se esforçar para que o público não perceba que eles ainda fazem sexo. Por mais que pareça injusta, é a lei da degenerescência física, enunciada há muitos e muitos anos por, sei lá eu, Deus.

Nessas ocasiões temos um surto de autoritarismo e nos perguntamos, em companhia do fantasma de Auguste Comte (cito sem aspas porque é de memória): se não permitimos heresias na física ou na matemática, o que nos leva a permiti-las na teoria política? Ou na estética? Passado o impulso comtiano (não é saudável que ele apareça mais de uma vez por dia), só nos resta esperar que esses vovôs passem dos 15, 16 anos o mais depressa possível.