23 julho, 2007

A Volta ao Ideal

This is another book about the dissolution of the West. I attempt two things not commonly found in the growing literature of this subject. First, I present an account of that decline based not on analogy but on deduction. It is here the assumption that the world is intelligible and that man is free and that those consequences we are now expiating are the product not of biological or other necessity but of unintelligent choice. Second, I go as far as to propound, if not a whole solution, at least the beginning of one, in the belief that man should not follow a scientific analysis with a plea of moral impotence.
Esse é o primeiro parágrafo do Ideas Have Consequences (1948), clássico do uma vez professor da Universidade de Chicago Richard M. Weaver (1910-1963). Rapidamente ele deixa claro o porquê de o livro ser do nosso interesse: trata-se, é certo, de mais um livro sobre a dissolução do Ocidente, mas somos poupados do constrangimento de ter que fazer vista grossa para teorias mirabolantes sobre o desdobramento de nossa história. O homem é não só considerado livre do determinismo biológico, tão na modinha nos dias que correm, como também de qualquer outro, seja ele econômico, social ou referente aos ciclos da lua. O homem é livre e por isso mesmo deve chegar à conclusão de que suas idéias têm consequências, muitas delas catastróficas.

Está claro que a escolha de abrir mão de determinismos, materialismos, pragmatismos, nominalismos etc. não tem como objetivo maior o conforto do leitor (apesar de o efeito nesse sentido ser, alas, considerável): segundo Weaver todos esses ismos todos são eles mesmos sintomas da dissolução que ele se propõe a descrever. Weaver fala com bastante insistência no sumiço do 'ideal' de nossa perspectiva, sendo o sumiço da noção de 'verdade' uma consequência meio imediata. E, se não há verdade, tampouco se pode falar em consequências para aqueles que decidem ignorá-la. Nossa tão prezada idéia de responsabilidade individual vai pelos ares.

A princípio pode parecer curioso que Weaver não precise de muito mais que Sócrates, Platão e Aristóteles para responder a altura a todas essas moléstias típicas da modernidade. Autores modernos (leia-se: posteriores ao século 14) são citados muito de passagem, muitas vezes apenas para emprestar um termo engenhoso ou uma frase de efeito. Os preferidos de Weaver são Charles Péguy, José Ortega y Gasset e George Santayana. De resto, somos levados a crer que a maioria dos problemas que, no entender de Weaver, assolam a perspectiva moderna foram convenientemente comentados e elucidados há muitos séculos. Não chega a surpreender, então, que o primeiro conselho de Weaver aos jornalistas seja aprender grego e latim. Qualquer outro caminho nos levaria à embaraçosa posição de ter que lidar com problemas que já nasceram resolvidos. Com as palavras de Santayana, Those who cannot remember the past are condemned to repeat it.

Temos aí um conselho de difícil aceitação entre quem ainda acha que somos tão mais 'evoluídos' quanto mais o tempo passa, um credo que de tão firme poderia ser caracterizado como religioso. Se o homem moderno não tem mais fé no sentido tradicional da palavra, certamente tem fé de que nossa razão, por si só, poderá resolver tudo no final das contas. O problema muitas vezes parece ser de memória. Weaver aceita a idéia de Ortega (v. ¿Qué es filosofía?) de que é necessário divisar uma espécie de superação para a oposição idealismo versus realismo, mas adverte que é necessário, primeiro, saber (ou lembrar) o que ambos significam: Our task is much like finding the relationship between faith and reason for an age that does not know the mearning of faith.

O consolo de quem acredita em valores fixos e universais (como Sócrates em oposição ao sofista Protágoras, para quem conhecimento se confundia com percepção individual) é de que não existem momentos históricos mais ou menos propícios para que eles sejam alcançados; basta que se reconheça a necessidade de alcançá-los. O eterno, exatamente por ser eterno, é eterno sob qualquer ponto de vista. Para quem está diante de uma linha infinita paralela ao horizonte, deslocar-se para a esquerda ou para a direita é indiferente. Quando alguém diz que uma volta à aceitação de valores universais representa uma absurdidade por ser impossível 'fazer voltar a roda do tempo', estamos ouvindo nada mais que uma confissão da modernidade tal como descrita por Weaver: uma modernidade que se acredita irremediavelmente presa em seu momento histórico ou biológico ou astrológico.

Apesar do rigor com que denuncia as mazelas contemporâneas, a mensagem de Weaver acaba sendo otimista por admitir aquele mínimo de liberdade que, por mais mínimo que seja, é com frequência declarado inexistente. Se é bem verdade que más escolhas devem trazer consequências nada agradáveis, também é verdade que é sempre tempo de optar por algo melhor. É um princípio tao lógico que muitos acharam que não haveria mal algum em esquecê-lo.