Não são poucos os que já nos advertiram quanto aos perigos (para nossa saúde física e mental) de uma autêntica idée fixe. Nos casos em que essa obsessão vem acompanhada de uma compleição moralmente enfraquecida, ou mesmo de uma sem muito apreço pela verdade, há invariavelmente consequências desastrosas. A pesquisa da realidade passa a ser pautada por um resultado que é previamente conhecido, seja por intuição ou por epifania: aquilo da realidade que não servir para ratificá-lo será ignorado. É assim, pois, que Marx e Engels, antevendo o colapso da civilização ocidental enquanto capitalista, lançam mão dos meios mais desonestos (deturpação de fontes de pesquisa, utilização de dados desatualizados, mentira pura e simples etc.) para prová-lo na teoria. Evidências conflitantes perdem toda e qualquer credibilidade precisamente por serem conflitantes: toma-se como verdade irrefutável aquilo mesmo que se quer provar.
Oswald Spengler (1880-1936), em seu O Declínio do Ocidente, vê como verdade inexpugnável que a História é cíclica. Não só isso: estaríamos em período de declínio. A demonstração de semelhante proposição, como já era de se esperar, não é das mais simples: exige nada menos que um conhecimento aprofundado da História de todas as civilizações em todos os tempos. Um conhecimento que, de resto, Spengler não tem, nada obstante sua enorme erudição. Felizmente para quem lê, a 'demonstração' de Spengler envolve uma análise de tal sorte interessante (apesar de não necessariamente mostrar o que ele gostaria que mostrasse), que a postura mais aconselhável para apreciar seu principal livro é a de não lê-lo literalmente, ou, em outras palavras, ignorar a mania dos ciclos e aproveitar o que há de pontualmente válido. En passant: não é pouca coisa. Assim como Schopenhauer é principalmente admirado por poetas e romancistas, a saga spengleriana já é interpretada por alguns como o grande romance do declínio e do pessimismo.
Se insistimos em lê-lo literalmente, sua tarefa torna-se ainda mais difícil porque, usando suas palavras,
O lado positivo da idée fixe de Spengler vai num próximo post.
Oswald Spengler (1880-1936), em seu O Declínio do Ocidente, vê como verdade inexpugnável que a História é cíclica. Não só isso: estaríamos em período de declínio. A demonstração de semelhante proposição, como já era de se esperar, não é das mais simples: exige nada menos que um conhecimento aprofundado da História de todas as civilizações em todos os tempos. Um conhecimento que, de resto, Spengler não tem, nada obstante sua enorme erudição. Felizmente para quem lê, a 'demonstração' de Spengler envolve uma análise de tal sorte interessante (apesar de não necessariamente mostrar o que ele gostaria que mostrasse), que a postura mais aconselhável para apreciar seu principal livro é a de não lê-lo literalmente, ou, em outras palavras, ignorar a mania dos ciclos e aproveitar o que há de pontualmente válido. En passant: não é pouca coisa. Assim como Schopenhauer é principalmente admirado por poetas e romancistas, a saga spengleriana já é interpretada por alguns como o grande romance do declínio e do pessimismo.
Se insistimos em lê-lo literalmente, sua tarefa torna-se ainda mais difícil porque, usando suas palavras,
It is this that is lacking to the Western thinker, the very thinker in whom we might have expected to find it - insight into the historically relative character of his data, which are expressions of one specific existence and one only; knowledge of the necessary limits of their validity; the conviction that his "unshakable" truths and "eternal" views are simply true for him and eternal for his world-view; the duty of looking beyond them to find out what the men of other Cultures have with equal certainty evolved out of themselves. That and nothing else will impart completeness to the philosophy of the future, and only through an understanding of the living world shall we understand the symbolism of history. Here there is nothing constant, nothing universal. We must cease to speak of the forms "Thought", the principles of "Tragedy", the mission of the "the State". Universal validity involves always the fallacy of arguing from particular to particular.A exemplo de J. S. Mill, que reconheceu o caráter idiossincrático da idéia de felicidade, Spengler, ao nos alertar para a falácia de querer que nosso senso-comum seja idêntico ao do resto da humanidade, dificulta tremendamente seu próprio trabalho de síntese histórica - o que não deixa de ser uma demonstração de honestidade. Spengler parte da perspectiva de Goethe: the world becoming, not the world become. Tudo é movimento, força, dinamismo, transformação, em oposição ao estático e ao universal. Spengler admite total liberdade e transformações aparentemente caóticas para logo após tolhê-las na camisa-de-força da história cíclica. Cada civilização (ou cada ser humano) pode, individualmente, representar um mosaico infinito e dinâmico de perspectivas, posturas, crenças etc. mas, a partir do momento em que erguemos nossa mirada para a figura geral, esses mosaicos se congelam e se dispõem num arranjo que corresponde perfeitamente ao ciclo inexorável que toda civilização deve, por força, percorrer.
O lado positivo da idée fixe de Spengler vai num próximo post.
|