25 abril, 2009

Xarope necessário

Sempre que alguém afirma, eu incluso, que é nada menos que impossível modelar o planeta terra e sair fazendo previsões de temperatura para daqui a 50 anos, aparecem os prosélitos da Ciência Infalível citando esse ou aquele estudioso dessa ou daquela renomada universidade. Não fazem a mais mínima idéia do que estão falando, mas se um professor da UFbolinha lançou um artigo a respeito é porque deve ser verdade. Uma primeira maneira de desconfiar disso tudo é visitar a página do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, do INPE, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, aqui. Lá vocês podem ver que a probabilidade de chuva em Goiânia hoje, 25 de abril, é de 70%. Isso mesmo, colegas: os pesquisadores do INPE não sabem dizer com certeza se hoje chove em Goiânia.

Analisar a possibilidade de chuva hoje parece bem mais simples que prever a temperatura média mundial daqui a 1 ano, não? Basicamente tenho que verificar temperaturas, concentração e movimentação de nuvens e massas de ar, umidade relativa do ar etc. Muita gente hesita em duvidar da mecânica dos fluidos porque, ao que parece, as coisas funcionam perfeitamento por todos os lados: medidores de pressão, barragens, encanamentos d'água, prensas hidráulicas etc. Tampouco há o hábito de duvidar da disciplina de transferência de calor: nossos aparelhos de ar condicionado e climatizações em geral funcionam que é uma beleza. Isso porque o engenheiro é, ou deveria ser, como um cavaleiro do Zodíaco: não comete o mesmo erro duas vezes. Tudo o que pode ser empiricamente testado é cedo ou tarde absorvido; se queremos monitorar a queda de pressão numa tubulação de óleo, metemos um medidor lá e pronto. Quando se trata de fazer previsões teóricas, a situação é bem outra. Antes que me acusem de falar sem dar exemplos, como já fizeram, lá vai um (preparem-se, é a parte chata do post):

Vamos modelar o escoamento de um fluido qualquer no espaço. Aplicando a segunda lei de Newton a uma volume de controle do fluido (uma espécie de paralelepípedo imaginário que contém uma porção do fluido), e supondo que todas as forças envolvidas são ou de viscosidade, ou de diferença de pressão, ou de corpo (como a gravitacional ou a elétrica), chegamos às famosas equações de Navier-Stokes, escritas abaixo para as três direções cartesianas:




Nas equações acima, 'rô' é a densidade do fluido, suposta constante (que conveniente, não?), 'u', 'v' e 'w' são, respectivamente, as velocidades nas direções x, y e z de uma partícula qualquer do fluido, 'p' é a pressão, 'mi' é um coeficiente de viscosidade e os g's são as gravidades relativas às forças de corpo em cada direção (se quisermos considerar apenas a força gravitacional, g = 0 para x e z e g = g para y). Trata-se de um sistema de equações diferenciais parciais não-homogêneas de segunda ordem (porque tem derivadas parciais de segunda ordem e o termo independente é não-nulo). Ele deve ser resolvido juntamente com a equação da continuidade (conservação da massa) e o que importa saber é que não há solução exata para ele. Vejam que mesmo depois de várias hipóteses simplificadoras (escoamento incompressível e laminar -- a altas velocidades e com geometria propícia o escoamento torna-se turbulento e nem equações que não conseguimos resolver temos mais; ficamos soltos no campo do puramente empírico) chegamos a um sistema sem solução explicíta; podemos tentar algum método numérico, mas nem o mais moderno computador consegue resolvê-lo sem simplificações adicionais.

Apenas versões bastante simplificadas das equações de Navier-Stokes possuem solução exata. Por exemplo, como no exemplo da figura abaixo, podemos supor que o escoamento se dá apenas na direção y (ou seja, u e w são iguais a 0) e que, com escoamento pleno, a velocidade em y depende apenas de x, isto é, v = v(x). 'Aí fica fácil', diria Joãozinho. Pois é. Mas aí surgem outros problemas: as placas são infinitas? Como levar em conta a formação de vórtices nas bordas?

Nesse exemplo nem sequer falamos em temperatura. Transferência de calor por convecção é um inferno (no pun intended) e depende incertamente de valores que por si só já são difíceis de obter, como os mostrados acima. Como vocês imaginam, então, que deve ser a modelagem de correntes oceânicas ou de ar, em que nenhuma ou poucas das simplificações mencionadas aqui são aceitáveis, e para as quais não podemos contar com uma geometria bacaninha pra guiar o escoamento? E a incidência de radiação solar? E a influência das nuvens? E...