17 abril, 2009

Um velho conservador

A figura de António Sousa Homem é, de longe, a que mais me diverte dentre todas as figuras divertidas que a blogosfera nos proporciona. Segundo consta, acaba de completar seus oitenta e nove anos e habita calmamente o 'eremitério' de Moledo, no coração do Minho. É visitado por irmãos e sobrinhos e, por opção bem calculada, já não pode compreendê-los tão bem. O interlocutor usual de Sousa Homem são a própria memória e as sombras que daí retira: o velho doutor Homem, seu pai; seu avô; Tio Alberto; Tia Benedita. Maria Luisa, uma sobrinha, de vez em quando aparece como que para atestar a transitoriedade dos tempos.

Sousa Homem é um resignado ('conheço esses caminhos por razões médicas, tentando aliviar os pulmões e despertar neles o desejo de continuarem a respirar'), e isso já seria suficiente pra fazer muita gente franzir o sobrolho. De fato,
Desiludi uns e diverti outros. Expliquei aos meus sobrinhos que não, que nunca tive uma adolescência revolucionária e barbuda. Há cinquenta anos eu esperava da vida o que ainda hoje acho decente esperar-se: um perfume de mimosas numa estrada do Minho. Era um conservador e sou um conservador, um hibisco que muda de folha na altura certa e que aceita a dádiva da fortuna e da metereologia.
Desiludiram-se os sobrinhos, 'que preferiam ver-me como um velho anarquista que tivesse passado o melhor tempo da sua juventude colocando bombas à porta de bancos, ou assaltando a tradição da família para que me declarasse democrata e republicano'. Desiludiram-se as irmãs, que não viram as paixões do irmão mais velho, também elas transitórias, concretizarem-se em matrimônio. Mas restaram os livros, e os contemporâneos que já partiram.

Um desses livros é o The Anatomy of Melancholy, de Robert Burn, herdado do velho doutor Homem, seu pai. Sousa Homem parece saber muito sobre a melancolia, mas não vê nisso motivo para desespero ('cada dia que acrescento à minha idade é um dia para agradecer à providência'); longe disso, entende, assim como seu pai, que os sacrifícios que somos forçados a fazer servem como bálsamo para a juventude. Eis aí a melhor resposta para bombas em portas de bancos: o encolher de ombros de quem tem uma família para cuidar.

Muitos devem achar, a exemplo de sua irmã mais nova, que Sousa Homem simplesmente se recusou a dobrar o século ('ela tem a impressão de que eu pertenço, não a este mundo, mas aos calendários que vão passando de moda -- gosto da imagem e não me ofendo), ou que, assim como o condenado de Nick Cave, he goes shuffling out of life, just to hide in death awhile. Mas Sousa Homem não se esconde em lugar nenhum, a menos que se considere o eremitério de Moledo, no coração do Minho, um esconderijo.