Reparei outro dia que nunca escrevi sobre a economia chamada real. Segundo consta, a economia real trata não de abstrações generalizantes, sistemas de idéias etc., mas dos resultados que afetam a vida do cidadão comum. A princípio a distinção parece meio absurda: um sistema de idéias, caso aceito e implementado, é exatamente o que vai cedo ou tarde afetar a vida do cidadão comum. Outros restringem o termo mais ainda, dando a entender que economia real trata apenas das operações econômicas mais básicas, como compra de roupas e/ou alimentados, excluíndo entidades mais complexas (bancos, governos) e suas atividades. Vou usar o termo como sinônimo de práxis econômica, aquilo que os agentes econômicos (incluo bancos etc.) efetivamente fazem, a despeito das idéias que julgam ou dizem seguir -- nos casos em que julgam ou dizem seguir alguma idéia.
Só fui me dar conta da utilidade dessa distinção muito recentemente. Aconteceu quando começaram a me perguntar se quem trabalha em banco necessariamente venera Hayek e Friedman, se é costume colocar bustos de von Mises ou de Adam Smith nas salas de reuniões e por aí vai. 'Eles preferem a escola austríaca ou a de Chicago?' Às primeiras perguntas, respondo sempre que não, que o pessoal prefere o Benjamin Franklin, mas só porque ele aparece na cédula de 100 dólares. À última, respondo que nenhuma das duas, não por haver objeções palpáveis, mas porque ninguém se deu ao trabalho de conhecê-las direito. São esquerdistas, então? Também não, apenas não se preocupam com a economia que não é a real (a escolha do termo é particularmente feliz porque a economia que não é a real é tratada como irreal mesmo, tema para conversa em botecos ou para contos de fadas).
Acho que nada é menos conclusivo em termos de posicionamento no espectro político do que questões puramente econômicas. Ou melhor: nada deveria ser menos conclusivo. Isso porque economia pode até não se resumir a matemática (a inclusão de fatores psicológicos, porém, vai por sua conta e risco), mas os números num balanço ou num fluxo de caixa são tão números quanto os que vão numa hipotenusa ou num polinômio. O que quero dizer, se ainda não ficou claro, é: quando os números estão ruins e existe inteligência e disposição, dá-se um jeito, seja você um rothbardiano, keynesiano ou stalinista. Se o stalinista executa alguns dissidentes no processo e dá um jeito de coletar pra si mesmo todos os benefícios já é outra história. Aos que acham que simplifico a coisa indevidamente, basta lembrar que von Mises provou a impraticabilidade do sistema de precificação socialista com argumentos puramente matemáticos: caso fosse possível (nao é) escrever todas as equações diferenciais que regem o preço de uma banana, não seria possível resolvê-las, nem com os supercomputadores de hoje. Daí que não se possa estabelecer o preço do que quer que seja sem transformar a economia num jogo de cartas marcadas (para beneficiar nós sabemos quem).
O parágrafo anterior deve ser suficiente pra explicar o meu desinteresse pela economia dita real. A problemática sempre me pareceu operacional demais (ainda que complexa demais, como de fato é) pra que me fosse possível fazer algum comentário além do óbvio ululante. Se a crise secou o crédito interbancário, seca também o crédito para as empresas que tomam recursos dos bancos. O banco deixa de emprestar não porque o CFO é rothbardiano, keynesiano ou stalinista, mas porque não tem outra opção (a menos que esteja disposto a quebrar).
Não estou em condições de julgar se a distância entre as esferas da economia (a real e a 'irreal') é benéfica ou não para o universo daqueles que apenas querem ganhar a vida no mercado. O que me parece claro é que ela explica pelo menos em parte a completa estupefação diante da crise daqueles que em tese estão na posição de explicá-la*. Se a economia é, ou deveria ser, inútil para nos posicionar em qualquer tipo de espectro ideológico, ela, ou a clivagem que existe dentro dela, serve ao menos pra ilustrar a nossa tendência de achar que idéias não têm consequências (foi preciso que alguém escrevesse um livro com esse nome, for Christ's sake). Não vejo abuso de terminologia em associar a crença de que idéias têm consequências ao conservadorismo, mais precisamente à convicção de que o papel impresso tem outra serventia que não a monetária.
* Conversando com o sócio de uma empresa de gestão financeira, ainda outro dia, tive a felicidade de descobrir que o 'modelo do Estado não-invervencionista caiu por terra com essa crise'. Como um modelo que está fora de vigência há quase um século pôde cair por terra agora é matéria a ser decifrada por sábios de uma geração vindoura.
Só fui me dar conta da utilidade dessa distinção muito recentemente. Aconteceu quando começaram a me perguntar se quem trabalha em banco necessariamente venera Hayek e Friedman, se é costume colocar bustos de von Mises ou de Adam Smith nas salas de reuniões e por aí vai. 'Eles preferem a escola austríaca ou a de Chicago?' Às primeiras perguntas, respondo sempre que não, que o pessoal prefere o Benjamin Franklin, mas só porque ele aparece na cédula de 100 dólares. À última, respondo que nenhuma das duas, não por haver objeções palpáveis, mas porque ninguém se deu ao trabalho de conhecê-las direito. São esquerdistas, então? Também não, apenas não se preocupam com a economia que não é a real (a escolha do termo é particularmente feliz porque a economia que não é a real é tratada como irreal mesmo, tema para conversa em botecos ou para contos de fadas).
Acho que nada é menos conclusivo em termos de posicionamento no espectro político do que questões puramente econômicas. Ou melhor: nada deveria ser menos conclusivo. Isso porque economia pode até não se resumir a matemática (a inclusão de fatores psicológicos, porém, vai por sua conta e risco), mas os números num balanço ou num fluxo de caixa são tão números quanto os que vão numa hipotenusa ou num polinômio. O que quero dizer, se ainda não ficou claro, é: quando os números estão ruins e existe inteligência e disposição, dá-se um jeito, seja você um rothbardiano, keynesiano ou stalinista. Se o stalinista executa alguns dissidentes no processo e dá um jeito de coletar pra si mesmo todos os benefícios já é outra história. Aos que acham que simplifico a coisa indevidamente, basta lembrar que von Mises provou a impraticabilidade do sistema de precificação socialista com argumentos puramente matemáticos: caso fosse possível (nao é) escrever todas as equações diferenciais que regem o preço de uma banana, não seria possível resolvê-las, nem com os supercomputadores de hoje. Daí que não se possa estabelecer o preço do que quer que seja sem transformar a economia num jogo de cartas marcadas (para beneficiar nós sabemos quem).
O parágrafo anterior deve ser suficiente pra explicar o meu desinteresse pela economia dita real. A problemática sempre me pareceu operacional demais (ainda que complexa demais, como de fato é) pra que me fosse possível fazer algum comentário além do óbvio ululante. Se a crise secou o crédito interbancário, seca também o crédito para as empresas que tomam recursos dos bancos. O banco deixa de emprestar não porque o CFO é rothbardiano, keynesiano ou stalinista, mas porque não tem outra opção (a menos que esteja disposto a quebrar).
Não estou em condições de julgar se a distância entre as esferas da economia (a real e a 'irreal') é benéfica ou não para o universo daqueles que apenas querem ganhar a vida no mercado. O que me parece claro é que ela explica pelo menos em parte a completa estupefação diante da crise daqueles que em tese estão na posição de explicá-la*. Se a economia é, ou deveria ser, inútil para nos posicionar em qualquer tipo de espectro ideológico, ela, ou a clivagem que existe dentro dela, serve ao menos pra ilustrar a nossa tendência de achar que idéias não têm consequências (foi preciso que alguém escrevesse um livro com esse nome, for Christ's sake). Não vejo abuso de terminologia em associar a crença de que idéias têm consequências ao conservadorismo, mais precisamente à convicção de que o papel impresso tem outra serventia que não a monetária.
* Conversando com o sócio de uma empresa de gestão financeira, ainda outro dia, tive a felicidade de descobrir que o 'modelo do Estado não-invervencionista caiu por terra com essa crise'. Como um modelo que está fora de vigência há quase um século pôde cair por terra agora é matéria a ser decifrada por sábios de uma geração vindoura.
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