04 maio, 2008

Ora, Vírgulas!

Quando eu era criança tive de ler um livro chamado Ora, Vírgulas! no colégio. Não lembro os detalhes, mas contava o assombroso caso de uma cidade em que todas as vírgulas resolvem desaparecer. Os livros das bibliotecas, das escolas etc. ficam todos sem vírgulas, mais ou menos como numa versão light do último parágrafo de Ulysses. As crianças, claro, começam a perceber a importância das vírgulas e por aí vai.

Hoje, quando encontro uma pontuação que me desagrada, tenho vontade de vituperar: ora, vírgulas! Não quero dizer com isso que o problema seja sempre falta de virgulas; pode ser o contrário, pode ser um ponto-e-vírgula que deveria aparecer e não apareceu. Semana passada, estava lendo um livrinho do Paulo Francis, o ótimo Francis, e não parava de gritar 'ora, vírgulas!; ora, vírgulas!' enquanto socava a cama. Meu pai viu e perguntou: 'mas, filho, ele não ficou direitista antes de morrer?' O efeito terapêutico, porém, é altamente recomendável: algo como o Serenity Now! do pai do George no Seinfeld.

Confesso que nunca li romances do Jorge Amado (comecei uns três e desisti), mas já dirigi uns brados a textos dele, que Deus o tenha. Tenho um exemplo à mão: 'Ainda não consigo determinar as razões por que a obra de Campos de Carvalho não prosseguiu em sua carreira internacional. São coisas que acontecem, mais que inexplicáveis, infelizes.' Essa acumulação apressada de informações é algo de que todos nós, quando crianças, já fomos vítimas. Penso logo num pequerrucho fazendo um montinho de sujeira e jogando-o pra debaixo do tapete, displicente e bonachão.

Boa pontuação, para não falar em estilo, é a cortesia do prosador. É como se ele fosse espalhando rampas e escadinhas pelo caminho pra evitar estacadas desagradáveis. Deviam enfiar essa analogia em algum livrinho de produção de textos.