25 maio, 2008

Assalto na Dutra

Bom, preferia não ter de ser assaltado pra poder verificar, ainda que pra um espaço amostral extremamente exíguo, uma dessas teses que gostamos de esfregar na cara dos outros numa mesa de bar. A primeira tese é a de que o povo (na acepção mais amorfa e generalizante possível) é em essência direitista, o que equivale a dizer que é natural ser de direita assim como é natural perder os dentes de leite, ficar calvo ou interessar-se pelo sexo oposto. A segunda tese, meio óbvia e decorrente da primeira, é a de que o povo brasileiro não sabe se expressar politicamente. Se soubesse, teríamos pelo menos um partido de direita.

Fui assaltado hoje pela manhã voltando de São Paulo pra São José dos Campos, no mesmo ônibus que sempre tomo. O sujeito subiu num dos pontos do caminho (aliás, por que é mesmo que esses ônibus de linha param nos pontos?) e sacou uma arma que eu gostaria de poder descrever em detalhes, mas não conheço nada a respeito. Vovós suspirando, crianças chorando e todo mundo tentando esconder objetos de valor. Consegui esconder minhas coisas à exceção do telefone celular, que resolvi meter no saco estendido diante de mim pra não levantar suspeitas (meninas, não adianta ligar, não vou poder atender). As imprecações do assaltante são as mesmas que vemos nas novelas: 'Motorista, sem gracinhas ou eu passo chumbo'; 'Quem esconder dinheiro leva bala' etc.

Mas esse assaltante era diferente, ao menos dos poucos que tive a infeliz oportunidade de observar em ação. Estava nervoso demais, falava alto demais. Se tivesse tido um pouco mais de paciência poderia ter levado vários outros celulares, relógios, iPods e alianças sem risco adicional. Saiu apressado, meio envergonhado. Já na porta, pronto pra descer, virou e disse:

-- Não sou ladrão. Meu filho está com câncer e não posso pagar o tratamento. Vocês me perdoem. Me perdoem e fiquem com Deus.

Mentira? É até provável, apesar de que o sujeito poderia ter simplesmente ido embora calado. A reação dos passageiros, porém, pareceu unânime: era mentira e, mesmo que não fosse, não justificava o assalto. Ônibus de linha não deveria parar nos pontos da estrada. E o pessoal que mora longe da rodoviária? Pega o circular antes; gasta mais mas garante a segurança de todos. O que segura a sociedade, disse outro, é a família; um familiar de cabeça fria poderia ter aconselhado o pai desesperado e evitado o assalto. Não se deve julgar, mas que está errado, está. Essa interpretação do crime surgiu naturalmente, sem qualquer esforço analítico. Por que ela não sai de dentro do ônibus?