17 abril, 2008

Hollywood Way

Vejam o vídeo acima atentamente. Não sei se ainda transmitem comerciais assim tão apologéticos; é de se supor que não. Estive pensando num símile adequado pra descrever a sensação que tenho quando vejo comerciais do tipo. O melhor a que cheguei é esse: é como ver um vídeo do Papai Noel distribuindo presentes quando ainda se acredita em Papai Noel. Não, meu caríssimo e insuportável antitabagista de plantão, não quero dizer com isso que há ingenuidade em ver alguma relação estrutural entre fumo e esportes radicais. (Aliás, se ingenuidade significa subtrair algo de prazeroso de algo visto com condescendência pela maioria, pode até ser, mas vou me ater à acepção tosca da palavra.) Quero dizer que, em ambos os casos, abstrai-se o supérfluo para aferir o óbvio: no primeiro, afere-se que fumar é bom (para os fumantes, claro) apesar de fazer mal à saúde; no segundo, que ganhar presentes é bom apesar de Papai Noel não existir.

Por que não pensar em qualquer outra comparação em que o mesmo ocorra? É porque nos casos acima o supérfluo raramente é reconhecido como tal. O fato de Papai Noel não existir incomoda tanto algumas pessoas que a própria idéia do Papai Noel deixa de fazer sentido pra elas. Da mesma maneira muita gente não consegue ver que fumar pode ser prazeroso só porque faz mal à saúde. Mas fazer mal à saúde é supérfluo nesse caso. E daí que faz mal à saúde? Isso significa que o sujeito vai pegar um câncer de pulmão, não que fumar vai deixar de ser bom. As pessoas parecem ter uma dificuldade enorme em entender que o que é importante num contexto pode deixar de sê-lo em outro.

O que vai acima pode parecer óbvio (e é mesmo), mas tenho a impressão de que todo não-fumante acha que o fumante não gosta de fumar. Fuma por falta de opção, porque já está viciado, ou porque entrou num clube empenhado em incomodar o resto da humanidade. O testemunho oficial e um tanto quanto patético da maioria dos fumantes ajuda a aumentar a confusão: 'quero largar essa porcaria', com o pressuposto implícito de que não há qualquer motivo racional pra não largar. Possível objeção: isso é doidice minha, é óbvio que os fumantes gostam de fumar. Considerem então a situação que presenciei dia desses:

X (não-fumante): A piteira é interessante, evita que as mãos fiquem com cheiro de cigarro.
Y (fumante, tentando ironizar): Então pra mim ela é desnecessária, gosto do cheiro de cigarro.
X (incrédulo): Você gosta do cheiro de cigarro!?

É mais ou menos como perguntar a alguém que gosta de café: 'Você gosta do cheiro de café!?' O que poderíamos responder além de what have you been smoking, son?

Há uma certa inquietude, um certo desconforto no fumante atual: o sujeito fica olhando em redor e pra si mesmo pra ver se fumar é a única besteira que está fazendo. Hoje esses comerciais do Hollywood não fazem mais sentido; é como se tivessem descoberto de repente que o Papai Noel é racista ou pedófilo. O próprio fumante sente certa culpa ao assisti-lo; afinal, não passa de uma idéia engenhosa de alguma alma nojenta que vive de explorar a ingenuidade alheia. Voltamos a ser criancinhas, mas sem a parte boa.