A proliferação dos blogs pela internet testemunha, é claro, a necessidade de preencher certas lacunas do jornalismo 'oficial'. O sujeito que se julga insatisfeito com a cobertura dos jornais sobre a China pode ir lá e criar um blog só sobre os desmandos dos generais chineses; outro que não suporta mais a onda antitabagista (ouviram falar da moça que se maquiou pra simular um câncer de boca numa propaganda?) pode criar um blog pró-tabagismo; outro que não aguenta mais ver morenas altas e magrelas pode criar um blog com imagens de japonesas de biquini.
Mas, creio eu, o verdadeiro charme por trás da idéia do blog tem a ver com o impulso irracionalista presente em todo ser humano (sim, sem exceção; seria racional demais procurar exceções agora). O blogueiro sabe mais do que ninguém que nós somos os nossos preconceitos. Que não se veja nisso preguiça mental, uma tentativa de escapar a análises pormenorizadas e com uma penca de referências sobre o que quer que seja. Ninguém seria suficientemente burro pra negar a importância do trabalho pesquisado com cuidado, ainda mais em se tratando de áreas que não abrem espaço pra divagação. Em pleno 2008, de fato não há mais muito sentido em escrever coisas do tipo 'creio que se trocássemos o material por uma liga de alto carbono o teto aguentaria'. Troca-se, testa-se e escreve-se o resultado.
Por outro lado, ainda faz muito sentido dizer que pessoas que riem muito são desagradáveis e que calçar um tênis all-star é esteticamente degradante. Se fizessem um estudo científico e comprovassem que quem calça all-star realmente não entende nada de boa aparência, a coisa perderia toda a graça. Já posso até imaginar alguns entrevistados, ex-usuários do tênis, cabisbaixos, segurando um par pelos cadarços, declarando-se finalmente iluminados pela estatística ou pelo cálculo diferencial.
Poucos colunistas atuais deixaram de dar o braço a torcer à lógica engomadinha dos jornais. O Pereira Coutinho na Folha de S. Paulo é uma exceção provável, mas é óbvio que jamais chegaria a escrever sobre all-star ou pessoas que fazem barulho ao comer. Bem que devia. Daria uma boa lição de jornalismo aos que se revoltam (vi alguns no orkut) com o fato de ele escrever sobre assuntos 'que não interessam a ninguém'. Se não interessassem a ninguém ninguém o leria, e se ninguém o lesse o problema seria da Folha, certo? Quase duas décadas depois da queda do muro de Berlin esse raciocínio protocapitalista ainda parece difícil de engolir.
Longe de representar uma espécie de modéstia epistemológica, essa mania de querer suprimir a escrita ensaística e pré-racional parte do pressuposto, obviamente falso, de que há explicação racional pra tudo aquilo que nos interessa e que por isso pode ser tema de crônica ou artigo. A idéia parece plausível a princípio: 'somos modestos, temos o bom senso de rejeitar todo e qualquer impulso que nos surja sem motivo bem aparente e documentado'. Mas em verdade há aí arrogância: a arrogância de achar que é sempre possível encontrar tais motivos. Passamos da modéstia ao gnosticismo num pulo.
Termino o post com uma listinha de coisas que me irritam nas pessoas, sem comentários adicionais, é claro. Se não me engano vi isso pela primeira vez no blog do Reinaldo Azevedo:
- Dizer assistir ao BBB por motivos sociológicos/antropológicos;
- Fazer questão de contar que odeia o BBB pra todo mundo;
- Tênis all-star;
- Barulho ao mastigar;
- Dizer gostar de um filme por causa do roteiro ou do posicionamente das câmeras;
- Gostar de U2 ou Los Hermanos ou Cordel do Fogo Encantado etc.;
- Declarar-se eclético em qualquer área;
- Fazer um 'V' com os dedos ao posar pra fotografias;
- Demonstrar alegria exagerada;
- Viajar pra países desconhecidos sem motivo especial, pela 'experiência';
- Identificar-se com mais de dois dos itens acima.
Adeus.
Mas, creio eu, o verdadeiro charme por trás da idéia do blog tem a ver com o impulso irracionalista presente em todo ser humano (sim, sem exceção; seria racional demais procurar exceções agora). O blogueiro sabe mais do que ninguém que nós somos os nossos preconceitos. Que não se veja nisso preguiça mental, uma tentativa de escapar a análises pormenorizadas e com uma penca de referências sobre o que quer que seja. Ninguém seria suficientemente burro pra negar a importância do trabalho pesquisado com cuidado, ainda mais em se tratando de áreas que não abrem espaço pra divagação. Em pleno 2008, de fato não há mais muito sentido em escrever coisas do tipo 'creio que se trocássemos o material por uma liga de alto carbono o teto aguentaria'. Troca-se, testa-se e escreve-se o resultado.
Por outro lado, ainda faz muito sentido dizer que pessoas que riem muito são desagradáveis e que calçar um tênis all-star é esteticamente degradante. Se fizessem um estudo científico e comprovassem que quem calça all-star realmente não entende nada de boa aparência, a coisa perderia toda a graça. Já posso até imaginar alguns entrevistados, ex-usuários do tênis, cabisbaixos, segurando um par pelos cadarços, declarando-se finalmente iluminados pela estatística ou pelo cálculo diferencial.
Poucos colunistas atuais deixaram de dar o braço a torcer à lógica engomadinha dos jornais. O Pereira Coutinho na Folha de S. Paulo é uma exceção provável, mas é óbvio que jamais chegaria a escrever sobre all-star ou pessoas que fazem barulho ao comer. Bem que devia. Daria uma boa lição de jornalismo aos que se revoltam (vi alguns no orkut) com o fato de ele escrever sobre assuntos 'que não interessam a ninguém'. Se não interessassem a ninguém ninguém o leria, e se ninguém o lesse o problema seria da Folha, certo? Quase duas décadas depois da queda do muro de Berlin esse raciocínio protocapitalista ainda parece difícil de engolir.
Longe de representar uma espécie de modéstia epistemológica, essa mania de querer suprimir a escrita ensaística e pré-racional parte do pressuposto, obviamente falso, de que há explicação racional pra tudo aquilo que nos interessa e que por isso pode ser tema de crônica ou artigo. A idéia parece plausível a princípio: 'somos modestos, temos o bom senso de rejeitar todo e qualquer impulso que nos surja sem motivo bem aparente e documentado'. Mas em verdade há aí arrogância: a arrogância de achar que é sempre possível encontrar tais motivos. Passamos da modéstia ao gnosticismo num pulo.
Termino o post com uma listinha de coisas que me irritam nas pessoas, sem comentários adicionais, é claro. Se não me engano vi isso pela primeira vez no blog do Reinaldo Azevedo:
- Dizer assistir ao BBB por motivos sociológicos/antropológicos;
- Fazer questão de contar que odeia o BBB pra todo mundo;
- Tênis all-star;
- Barulho ao mastigar;
- Dizer gostar de um filme por causa do roteiro ou do posicionamente das câmeras;
- Gostar de U2 ou Los Hermanos ou Cordel do Fogo Encantado etc.;
- Declarar-se eclético em qualquer área;
- Fazer um 'V' com os dedos ao posar pra fotografias;
- Demonstrar alegria exagerada;
- Viajar pra países desconhecidos sem motivo especial, pela 'experiência';
- Identificar-se com mais de dois dos itens acima.
Adeus.