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O primeiro impulso (pelo menos foi o meu) de quem tem em mãos um volume tão heterogêneo é buscar aqueles ensaios sobre autores mais conhecidos e que parecem ter sido os preferidos de Carpeaux: Conrad, Kafka (ó surpresa, Carpeaux também foi o primeiro a escrever sobre Kafka no Brasil), Dante, Shakespeare, T. S. Eliot, Goethe etc. Os ensaios mais memoráveis, naturalmente, estão todos no primeiro volume (penso principalmente em O Mistério de Joseph Conrad e Visão de Graciliano Ramos), mas Carpeaux faz o que pode no curto espaço de 4 ou 5 páginas. Depois passamos aos temas brasileiros: Graciliano Ramos, Murilo Mendes, Manuel Bandeira, Gilberto Freyre e Machado de Assis. Música? Há Bach, Verdi, Wagner, Schubert, Haendel, Wolf. Artes plásticas? Há El Greco, Goya, Van Dyck.
Imagino que Carpeaux tenha irritado muita gente com tanta erudição. Não à toa é comumente lembrado, com um despeito mal disfarçado e quando é lembrado at all, pelos seus conhecimentos 'enciclopédicos'. Escrevendo sobre Hemingway, confessa mui candidamente que o volume de contos Winners Take Nothing (de que eu, aliás, nunca tinha ouvido falar) é o único livro do americano que ele 'só' leu uma única vez. Também observa que costuma reler a Comédia de Dante todos anos. Seria um snob? Outra coisa que costumava irritar seus interlocutores (irritou até o nosso Gustavo Corção) é o estilo desajeitado de quem foi aprender o português depois dos 40 anos. Paulo Francis costumava dizer que o inglês de Conrad parece uma tradução do polonês, e talvez não seja exagero dizer que o português de Carpeaux parece, sei lá eu, alemão traduzido. Momento-exercício-psicológico-barato: como pode um austríaco gago (se brincar é simpatizante fascista...) que mal aprendeu o português querer nos dar lições sobre a nossa e todas as outras literaturas? Não se sabe ao certo como, mas o fato é que Carpeaux podia.
O estilo, já em si um tanto caótico por não ser de um native-speaker, não é dos mais atraentes ao jovem leitor por outros motivos: Carpeaux propõe uma série de questões e só as retoma bem mais tarde, quando ocorre de retomá-las efetivamente. Expõe opiniões antagônicas sem que saibamos ao certo se são suas ou de algum oponente imaginário. Numa época em que o que mais se advoga é o discurso seco e direto, Carpeaux surge com um emaranhado inextricável de caminhos alternativos. Parece ser o natural de quem já leu tanto. No ensaio Meu Dante, Carpeaux enumera as diversas perspectivas com que ele mesmo já encarou a grande obra do florentino: a factual, a mística, a historicista, a sentimental, a biografista. Qual delas seria a mais correta, se é que faz sentido falar em correção? Provavelmente uma síntese 'barroca' de todas elas.
São raros, pelo menos nesses volumes de ensaios, os momentos em que Carpeaux se deixa levar por uma veia mais polêmica. Normalmente prefere calar, e a ausência de certos nomes em seus ensaios é bastante conspícua. Mas esse não é o caso de Aldous Huxley. Em A erudição de Mr. Huxley, Carpeaux sugere que ele consulte o volume XXIII da Encyclopaedia Britannica, essa que é, segundo o próprio Huxley, sua leitura predileta. Ao afirmar que um criminoso não pode ser bom poeta, Huxley confessa ignorar o verbete referente ao poeta francês (e facinoroso) François Villon (1431-1463). Seria Carpeaux um snob? É mais provável que tenha ido ao país errado.
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