Se Mao, Lenin, Stalin, Fidel e Che são devidamente louvados em livros de história distribuídos pelo MEC, há também aqueles que conseguiram, nesses mesmos livros, fama de vilão. O principal deles é Adam Smith (1723-1790), ainda hoje tido como um economista frio e calculista, despreocupado com desigualdades sociais e com a ralé em geral. Não admira que seu The Theory of Moral Sentiments seja hoje pouco comentado, sendo desconhecido até de muitos leitores do seu irmão mais famoso The Wealth of Nations.
Na realidade Smith deixou bem claro que ambos os livros fazem parte de um mesmo projeto: não há possibilidade de convivência e diálogo, ou, em particular, de uma existência econômica, se não há uma moral comum para regulá-la. A notoriedade do Wealth em detrimento do Theory parece hoje bem natural; enquanto um se consagrou pela perspicácia e pelo testemunho favorável da história, os conselhos do outro já parecem obsoletos e exagerados, quando não ingenuamente benevolentes. Vejam como exemplo as primeiras linhas do livro, que tanto assustaram Theodore Dalrymple pela sua incompatibilidade com a realidade atual:
No trecho citado acima, assim como em vários outros, fica claro que Smith se refere àqueles que, digamos, ainda não aderiram ao 'liberou geral', que ainda não têm vergonha de acreditar em coisas como a moral cristã ou simplesmente na possibilidade de uma convivência digna e respeitosa. É fato que isso já passou a representar uma excentricidade para muitos. É preciso recorrer a baluartes da reflexão moral, como o Lord Jim de Joseph Conrad, para encontrar ilustrações dignas do trecho abaixo:
Na realidade Smith deixou bem claro que ambos os livros fazem parte de um mesmo projeto: não há possibilidade de convivência e diálogo, ou, em particular, de uma existência econômica, se não há uma moral comum para regulá-la. A notoriedade do Wealth em detrimento do Theory parece hoje bem natural; enquanto um se consagrou pela perspicácia e pelo testemunho favorável da história, os conselhos do outro já parecem obsoletos e exagerados, quando não ingenuamente benevolentes. Vejam como exemplo as primeiras linhas do livro, que tanto assustaram Theodore Dalrymple pela sua incompatibilidade com a realidade atual:
How selfish soever man may be supposed, there are evidently some principles in his nature, which interest him in the fortune of others, and render their happiness necessary to him, though he derives nothing from it, except the pleasure of seeing it.Smith dizia isso, em suas próprias palavras, in spite of the depravity of our times. Que diria ele de nossos tempos, dois séculos e meio depois da primeira publicação de seu livro, quando essa constatação inicial parece não só improvável mas um tanto ridícula? A inversão é tediosamente previsível: o século 20, irritado com os empecilhos de uma 'moral caduca' como a de Smith, resolve responsabilizar o próprio Smith pelos desastres decorrentes da inobservância dos preceitos morais propugnados pelo, é claro, Smith. Em meios um pouco mais sofisticados, onde a obra do sujeito é ao menos conhecida, faz-se necessário um certo malabarismo retórico e dialético. No Brasil, interpreta-se a famosa 'mão invisível' como uma desculpa para a irresponsabilidade social e a coisa fica por isso mesmo.
No trecho citado acima, assim como em vários outros, fica claro que Smith se refere àqueles que, digamos, ainda não aderiram ao 'liberou geral', que ainda não têm vergonha de acreditar em coisas como a moral cristã ou simplesmente na possibilidade de uma convivência digna e respeitosa. É fato que isso já passou a representar uma excentricidade para muitos. É preciso recorrer a baluartes da reflexão moral, como o Lord Jim de Joseph Conrad, para encontrar ilustrações dignas do trecho abaixo:
The violator of the more sacred laws of justice can never reflect on the sentiments which mankind must entertain with regard to him, without feeling all the agonies of shame, and horrour, and consternation. When his passion is gratified, and he begins coolly to reflect on his past conduct, he can enter into none of the motives which influenced it. They appear now as detestable to him as they did always to other people. By sympathising with the hatred and abhorrence which other men must entertain for him, he becomes in some measure the object of his own hatred and abhorrence. The situation of the person, who suffered by his injustice, now calls upon his pity. He is grieved at the thought of it; regrets the unhappy effects of his own conduct, and feels at the same time that they have rendered him the proper object of the resentment and indignation of mankind, and of what is the natural consequence of resentment, vengeance and punishment. The thought of this perpetually haunts him, and fills him with terrour and amazement. He dares no longer look society in the face, but imagines himself, as it were, rejected, and thrown out from the affections of all mankind. He cannot hope for the consolation of sympathy in this his greatest and most dreadful distress. The remembrance of his crimes has shut out all fellow feeling with him from the hearts of his fellow creatures. The sentiments which they entertain with regard to him, are the very thing which he is most afraid of. Every thing seems hostile, and he would be glad to fly to some inhospitable desert, where he might never more behold the face of a human creature, nor read in the countenance of mankind the condemnation of his crimes. But solitude is still more dreadful than society. His own thoughts can present him with nothing but what is black, unfortunate, and disastrous, the melancholy forebodings of incomprehensible misery and ruin. The horrour of solitude drives him back into society, and he comes again into the presence of mankind, astronished to appear before them loaded with shame and distracted with fear, in order to supplicate some little protection from the countenance of those very judges, who he knows have already all unanimously condemned him. Such is the nature of that sentiment, which is properly caled remorse; of all the sentiments which can enter the human breast the most dreadful. It is made up of shame from the sense of the impropriety of past conduct; of grief for the effects of it; of pity for those who suffer by it; and of the dread and terrour of punishment from the consciousness of the justly provoked resentment of all rational creatures.O tom é sempre o de um avô afetuoso preocupado com a formação moral de seus netos. Mas vivemos numa sociedade jovem, e os conselhos do vovô Smith parecem estar sendo deixados para uma geração um pouco mais obediente.
|