Tenho o hábito de sair dizendo por aí, não sem certa dose de malícia, que sou um machista inveterado. Já me pediram pra tentar explicar em que consistiria esse machismo e eu o faria de muito bom grado se tivesse inteligência suficiente pra realizar uma síntese que abarcasse todos os pormenores da questão. Por enquanto, o máximo que posso fazer é indicar e comentar alguns textos com os quais concordo quase integralmente e que, se já dizem muito por si sós, deixam mais ainda sugerido, facilitando o meu serviço.
O primeiro deles é uma entrevista do Nelson Rodrigues. Confesso que já mandei essa entrevista a quase todas as meninas que conheço (se não mandei é porque esqueci), numa curiosidade meio mórbida de ver a reação de cada uma. A reação costuma ser violenta porque o Nelson era uma flor de sinceridade, e a linguagem é bem direta. Não achei o link na internet, então publiquei a transcrição aqui. O ponto crucial da entrevista nem se refere ao seu título -- por que as mulheres gostam de apanhar --, mas ao seguinte trecho:
O mais engraçado de tudo é que a entrevistadora, essa sim bem burrinha, confirma, a cada nova tentativa de imprimir laivos de sofisticação às perguntas, a observação do Nelson segundo a qual a mulher tende a imitar seu marido, seu pai ou seus autores favoritos (no caso, ao que tudo indica, Jung). É um exemplo antológico de humor involuntário. Desde quando eu tinha uns 8 anos, mais especificamente desde uma briguinha que tive com minha irmã, nutro a impressão de que a mulher em geral é incapaz de alcançar o verdadeiro senso de humor. Mas como pode isso, perguntarão, se é fato notório que mulheres também riem, contam piadas, eventualmente são bem divertidas etc.? Explico-me: assim como Platão acreditava ser o homem terrestre uma imitação do Homem ideal, e o ator, por imitar uma imitação (o homem terrestre), uma imitação de segunda ordem, assim acredito eu que o humor feminino é uma imitação do humor masculino, que por sua vez é imitação do Humor Divino, que não se explica. Obviamente fiquei bastante satisfeito quando li a entrevista do Rodrigues; havia finalmente encontrado uma explicação plausível pra algo que já trazia desde há muito em forma intuitiva apenas: a mulher não tem como se render aos prazeres do bom humor porque está obcecada com coisa muito mais importante, a saber, os sentimentos. E, quando falha nesse sentido, torna-se neurótica assim como alguém que percebe que falhou naquilo que é incontestavelmente sua verdadeira vocação.
Agora já é possível fazer uma crítica menos lúdica (em comparação com a do Fomos Enganados) à literatura da Clarice Lispector. Ninguém duvida que o que há de sentimento em sua forma mais crua nos livros de Lispector tenha sido genuinamente sentido, em algum momento, por ela mesma. O problema surge quando ele tenta intelectualizar (e ninguém mais que ela procura intelectualizar cada insignificância) o que deveria ter ficado implícito. O que resulta daí, e não poderia ser diferente, é uma confusão danada, a ponto de a coitada ser considerada hermética quando tudo que tem a dizer é de uma simpleza desconcertante. Naquele conto que aparece em todo livrinho didático de literatura, Amor, a narradora leva algumas páginas e muitos ovos quebrados pra dar uma idéia do sentimento de libertação da protagonista, um efeito a que Graciliano Ramos teria chegado em poucos parágrafos. A confusão é tão grande que dois dos escritores brasileiros mais explícitos e grosseiros, que lançam mão da simbologia mais simples e imediata (seria necessário recorrer ao naturalismo pra encontrar algo parecido), Clarice Lispector e João Guimarães Rosa, são até hoje considerados sutis e 'difíceis'.
Pois bem. O segundo texto é o Modern Manhood (clique aqui pra ler), do filósofo inglês Roger Scruton (vide link ao lado), e diz respeito à posição da mulher na sociedade de hoje. Scruton se posiciona entre dois extremos, o determinismo biológico, segundo o qual homens e mulheres teriam suas diferenças intrínsecas herdadas geneticamente, e o indeterminismo feminista (que no final das contas, como veremos, é também um determinismo), segundo o qual a oposição dos genders não passa de uma construção cultural, uma espécie de ardil engendrado pelo macho malvado pra submeter a mulher à subserviência e que deve e pode ser superado. De cara impressiona a semelhança dessa argumentação feminista com a 'filosofia dos oprimidos', muito comum em países latino-americanos, que acredita ver em cada movimento estrangeiro, principalmente se norte-americano, um plano mirabolante de dominação eterna. Enquanto os sociobiólogos (proeminente entre eles o Edward Wilson, professor em Harvard e autor do Sociobiology, outro livro que não merecia estar na lista dos 100 melhores da NR) negam qualquer possibilidade de adaptação, a menos que seja uma adaptação genética, nas relações entre os sexos, o que praticamente reduz o homem à condição de besta que acerta com uma clava a cabeça da mulher para conquistá-la, as feministas advogam a anarquia total, defendendo logicamente (não a defendem na prática porque, por covardia, não levam suas próprias idéias a suas últimas consequências lógicas) a idéia de que o que me separa de uma moçoila qualquer não é muito mais que uma convenção social.
Eu dizia que o indeterminismo feminista é também um determinismo porque, se observamos bem, o que se consegue ao fim e ao cabo é uma mera troca de paradigmas, com a diferença de que o paradigma moderno é antinatural. Se por alguns momentos damos o braço a torcer e aceitamos a idéia de que a mulher sempre foi, séculos afora, deliberadamente oprimida pela figura masculina, o mínimo que se pode esperar de uma feminista é que reconheça que hoje ocorre o mesmo, só que com sinal trocado: a mulher é forçada a assumir uma posição que coincide com a que o homem costumava assumir. Se antes havia um gap deliberado, hoje haveria uma aproximação deliberada. O problema é que ninguém quer levar essa aproximação ao extremo e quando, pra efeitos puramente didáticos, sugerimos que isso seja feito, é comum responderem com um É óbvio que não devemos levar essa aproximação ao extremo, sendo que também não recebemos nenhuma indicativa de até que ponto ela deve ser levada:
O primeiro deles é uma entrevista do Nelson Rodrigues. Confesso que já mandei essa entrevista a quase todas as meninas que conheço (se não mandei é porque esqueci), numa curiosidade meio mórbida de ver a reação de cada uma. A reação costuma ser violenta porque o Nelson era uma flor de sinceridade, e a linguagem é bem direta. Não achei o link na internet, então publiquei a transcrição aqui. O ponto crucial da entrevista nem se refere ao seu título -- por que as mulheres gostam de apanhar --, mas ao seguinte trecho:
A mulher só é feliz, só se realiza, só existe como mulher, no amor. Eu até hoje, até hoje não encontrei, fora a moça aqui presente, não encontrei uma mulher da qual pudesse dizer "Eis uma inteligência". Sem nenhum prejuízo para o seu mérito, a mulher é de uma inteligência muito escassa. Muito escassa porque a sua qualidade, a sua qualidade humana, se resolve, se decide noutro plano de vida. Ou melhor dizendo, se resolve através do sentimento.Entendo perfeitamente que isso seja, pelo menos a princípio, difícil de engolir. Quando se diz que a mulher é mais desenvolvida no plano sentimental que no intelectual, tem-se logo a tentação de concluir que a mulher seria, digamos, burra, o que sabemos ser absurdo por experiência própria. O que existe aqui é uma divisão de interesses, uma inclinação inata e que quero crer universal (o que não significa inexorável): a mulher é menos dada a atividades puramente intelectuais não por incapacidade, mas por opção, por temperamento. O 'intelectual' da frase acima deve ser tomado em seu sentido mais estrito, especulativo, totalmente isolado do mundo dos homens e dos sentimentos. A mulher será tão mais feminina quanto mais fielmente seguir esse modelo. No ranking dos 100 melhores livros de não-ficção do século 20 da National Review (veja aqui), há, segundo a minha contagem, menos de 10 escritos por mulheres, sendo que todos eles, à exceção do The Origins of Totalitarianism da Hannah Arendt (Hannah Arendt é a única mulher do século 20 que teria autoridade de exigir para si o título de filósofo, mas, muito felizmente para a nossa linha de argumentação, ela fez questão de se declarar uma cientista política, jamais uma filósofa, por se concentrar no fato de que é o 'homem, e não o Homem, que vive na Terra e habita este mundo'. De qualquer maneira trata-se de uma exceção.), destacam-se muito mais pelo 'sentimento' que pela acuidade estritamente intelectual. Exemplos clássicos: The Diary of a Young Girl, da Anne Frank, e Silent Spring, da Rachel Carson, que de resto só aparece na lista graças ao impacto midiático (e emocional) da questão ambiental.
O mais engraçado de tudo é que a entrevistadora, essa sim bem burrinha, confirma, a cada nova tentativa de imprimir laivos de sofisticação às perguntas, a observação do Nelson segundo a qual a mulher tende a imitar seu marido, seu pai ou seus autores favoritos (no caso, ao que tudo indica, Jung). É um exemplo antológico de humor involuntário. Desde quando eu tinha uns 8 anos, mais especificamente desde uma briguinha que tive com minha irmã, nutro a impressão de que a mulher em geral é incapaz de alcançar o verdadeiro senso de humor. Mas como pode isso, perguntarão, se é fato notório que mulheres também riem, contam piadas, eventualmente são bem divertidas etc.? Explico-me: assim como Platão acreditava ser o homem terrestre uma imitação do Homem ideal, e o ator, por imitar uma imitação (o homem terrestre), uma imitação de segunda ordem, assim acredito eu que o humor feminino é uma imitação do humor masculino, que por sua vez é imitação do Humor Divino, que não se explica. Obviamente fiquei bastante satisfeito quando li a entrevista do Rodrigues; havia finalmente encontrado uma explicação plausível pra algo que já trazia desde há muito em forma intuitiva apenas: a mulher não tem como se render aos prazeres do bom humor porque está obcecada com coisa muito mais importante, a saber, os sentimentos. E, quando falha nesse sentido, torna-se neurótica assim como alguém que percebe que falhou naquilo que é incontestavelmente sua verdadeira vocação.
Agora já é possível fazer uma crítica menos lúdica (em comparação com a do Fomos Enganados) à literatura da Clarice Lispector. Ninguém duvida que o que há de sentimento em sua forma mais crua nos livros de Lispector tenha sido genuinamente sentido, em algum momento, por ela mesma. O problema surge quando ele tenta intelectualizar (e ninguém mais que ela procura intelectualizar cada insignificância) o que deveria ter ficado implícito. O que resulta daí, e não poderia ser diferente, é uma confusão danada, a ponto de a coitada ser considerada hermética quando tudo que tem a dizer é de uma simpleza desconcertante. Naquele conto que aparece em todo livrinho didático de literatura, Amor, a narradora leva algumas páginas e muitos ovos quebrados pra dar uma idéia do sentimento de libertação da protagonista, um efeito a que Graciliano Ramos teria chegado em poucos parágrafos. A confusão é tão grande que dois dos escritores brasileiros mais explícitos e grosseiros, que lançam mão da simbologia mais simples e imediata (seria necessário recorrer ao naturalismo pra encontrar algo parecido), Clarice Lispector e João Guimarães Rosa, são até hoje considerados sutis e 'difíceis'.
Pois bem. O segundo texto é o Modern Manhood (clique aqui pra ler), do filósofo inglês Roger Scruton (vide link ao lado), e diz respeito à posição da mulher na sociedade de hoje. Scruton se posiciona entre dois extremos, o determinismo biológico, segundo o qual homens e mulheres teriam suas diferenças intrínsecas herdadas geneticamente, e o indeterminismo feminista (que no final das contas, como veremos, é também um determinismo), segundo o qual a oposição dos genders não passa de uma construção cultural, uma espécie de ardil engendrado pelo macho malvado pra submeter a mulher à subserviência e que deve e pode ser superado. De cara impressiona a semelhança dessa argumentação feminista com a 'filosofia dos oprimidos', muito comum em países latino-americanos, que acredita ver em cada movimento estrangeiro, principalmente se norte-americano, um plano mirabolante de dominação eterna. Enquanto os sociobiólogos (proeminente entre eles o Edward Wilson, professor em Harvard e autor do Sociobiology, outro livro que não merecia estar na lista dos 100 melhores da NR) negam qualquer possibilidade de adaptação, a menos que seja uma adaptação genética, nas relações entre os sexos, o que praticamente reduz o homem à condição de besta que acerta com uma clava a cabeça da mulher para conquistá-la, as feministas advogam a anarquia total, defendendo logicamente (não a defendem na prática porque, por covardia, não levam suas próprias idéias a suas últimas consequências lógicas) a idéia de que o que me separa de uma moçoila qualquer não é muito mais que uma convenção social.
Eu dizia que o indeterminismo feminista é também um determinismo porque, se observamos bem, o que se consegue ao fim e ao cabo é uma mera troca de paradigmas, com a diferença de que o paradigma moderno é antinatural. Se por alguns momentos damos o braço a torcer e aceitamos a idéia de que a mulher sempre foi, séculos afora, deliberadamente oprimida pela figura masculina, o mínimo que se pode esperar de uma feminista é que reconheça que hoje ocorre o mesmo, só que com sinal trocado: a mulher é forçada a assumir uma posição que coincide com a que o homem costumava assumir. Se antes havia um gap deliberado, hoje haveria uma aproximação deliberada. O problema é que ninguém quer levar essa aproximação ao extremo e quando, pra efeitos puramente didáticos, sugerimos que isso seja feito, é comum responderem com um É óbvio que não devemos levar essa aproximação ao extremo, sendo que também não recebemos nenhuma indicativa de até que ponto ela deve ser levada:
The difference between traditional morality and modern feminism is that the first wishes to enhance and to humanize the difference between the sexes, while the second wishes to discount or even annihilate it. In that sense, feminism really is against nature.Não vou tentar discutir aqui a origem desse feminismo (até porque o Scruton já faz isso), mas o que fica claro é que ele é de responsabilidade do homem também; talvez até principalmente dele. Toda relação que se queira duradoura entre seres humanos depende de um equilíbrio bem complicado, fundado em termos bem conhecidos ainda que indeclarados. Esse acordo, ou pacto, como queiram, perde toda sua razão de ser assim que uma das partes não se sente mais na obrigação de honrá-lo: que interesse teria a mulher em resguardar sua feminilidade se o homem já não é mais capaz de apreciá-la e vice-versa? Tudo que há de tipicamente feminino (fidelidade, candidez, responsabilidade etc.) ou masculino (coragem, força, honradez etc.) acaba perdendo valor precisamente porque realça as diferenças, e as diferenças, hoje, ofendem. Essa espécie de cooperação parte do pressuposto de que não é possível nem desejável que uma mesma pessoa se encarregue de suprir todas as demandas de uma família, por exemplo. Scruton conta uma historinha exemplar de seus avós: o avô, chegando a casa, deposita seu salário nas mãos da avó, que lhe devolve alguns trocados, o suficiente pra bebida do dia:
My grandfather's gesture, as he laid down his wage packet on the kitchen table, was imbued with a peculiar grace: it was a recognition of my grandmother's importance as a woman, of her right to his consideration and of her value as the mother of his children. Likewise, her waiting outside the pub until closing time, when he would be too unconscious to suffer the humiliation of it, before transporting him home in a wheelbarrow, was a gesture replete with feminine considerateness. It was her way of recognizing his inviolable sovereignty as a wage earner and a man.Meu machismo é assim. E o seu?
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