13 agosto, 2006

Nossa Imparcialidade

Os antigos representavam a Justiça como uma entidade cega. Note-se: cega, não burra. A noção correta de imparcialidade é exatamente essa: a implementação rigorosa de um regulamento cujas consequências não nos são previsíveis, isto é, qualquer um pode estar certo ou errado, qualquer um pode ser inocente ou culpado. A menos, é claro, que haja motivos palpáveis para a deturpação desse equilíbrio.

Ninguém nega a diferença entre homicídio doloso e culposo; não há qualquer traço de parcialidade na iniciativa de tratar um dos casos com mais severidade. Em geral, a mídia brasileira parece pensar diferente. O esforço para parecer imparcial é tão grande que se procura igualar tudo e todos perante a análise do jornalista; qualquer juízo de valor referente ao posicionamento moral dos envolvidos é heresia das mais cabeludas. Essa imparcialidade bonachã e risonha não exclui ninguém: terroristas, assassinos, estupradores etc. Uma temeridade condená-los; é preciso ouvi-los, devem ter tido seus motivos. Na década de 80 deviam ser crianças sofridas.

Quando nos afastamos do campo do Direito, essa obsessão pela imparcialidade passa a ser nada menos que burrice, uma abdicação intelectual total e irrestrita. John Stuart Mill, no ensaio Utilitarianism:
Impartiality, however, does not seem to be regarded as a duty in itself, but rather as instrumental to some other duty; for it is admitted that favour and preference are not always censurable, and indeed the cases in which they are condemned are rather the exception than the rule. A person would be more likely to be blamed than applauded for giving his family and friends no superiority in good offices over strangers, when he could do so without violating any other duty; and no one thinks it unjust to seek one person in preference to another as a friend, connection, or companion.
Outros tempos, outra gente. Depois escrevo sobre o Mill. Ando meio adoentado.