16 fevereiro, 2008

Memória Vermelha (2)

Em entrevista à finada Primeira Leitura, Contardo Calligaris afirmava que seu pai (ou seu avô, não lembro mais) decidiu opor-se aos fascistas em Itália sem para tanto tornar-se comunista, como era o costume, porque os comunistas eram muito 'vulgares', ou algo do tipo.

Realmente o estudante de hoje, a não ser que não leia, não tem como justificar um fascínio pelo comunismo que vá alem de seus 18 anos; qualquer livrariazinha de esquina já traz pilhas de biografias descendo o pau em Stalin, Guevara, Mao etc. Mas e no começo do século passado, quando os regimes comunistas ainda não tinham perpetrado seus respectivos genocídios, como é que o cidadão médio, desinteressado em política, fazia pra afastar a idéia nefasta? Por uma sensibilidade estética. O pai do Calligaris que o diga.

Parece meio surpreendente, então, que Graciliano Ramos, tão atento a sutilezas estilísticas, tenha sido um comuna. Tudo bem que jamais chegou a fazer parte do PC, mas isso foi graças ao seu temperamento, não a convicções ideológicas. De fato, no Memórias do Cárcere ele chega a dizer coisas como
Não me repugnava a idéia de fuzilar um proprietário por ser proprietário. Era razoável que a propriedade me castigasse as intenções.
Essa mania tosca, estilisticamente deplorável, de dar vida a substantivos como 'propriedade' ou 'capital' (parece que estamos lendo um jornalzinho marxista: 'a greve dos trabalhadores foi debelada, assim como queria o Capital') já deveria ser suficiente pra afastar qualquer escritor decente. O problema é que Graciliano, diferentemente do Calligaris-pai, parece ter uma visão binária das coisas: impossível opor-se ao fascismo tupinambá senão através do comunismo tupinambá. Aliar-se aos comunistas, até admirar essa gente, passa a ser visto como obrigação moral, e não como o que realmente é antes de mais nada: um gravíssimo erro de estilo.