We intend, rather, to establish whether and to what extent religious influences have in fact been partially responsible for the qualitative shaping and the quantitative expansion of that "spirit" across the world, and what concrete aspects of capitalism culture originate from them.
Essa pequena síntese já nos deixa entender que a tese central do
The Protestant Ethic and the "Spirit" of Capitalism, clássico do sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), nem sequer aborda a questão do
surgimento do capitalismo enquanto forma de organização econômica. Weber lembra repetidas vezes que o capitalismo se estende até os recantos mais longínquos de nossa memória histórica. Egito e Babilônia já o conheciam, e seria uma tremenda estupidez negar a natureza essencialmente capitalista dos grandes centros comerciais italianos durante o período renascentista. Como se vê, o objetivo de Weber é bem mais estreito, mas nem por isso muito menos complicado: ele pretende traçar as origens do "espírito capitalista" tal como será abundantemente definido ao longo de seus ensaios. Assim como qualquer termo empregado
ad hoc (segundo o próprio autor) para descrever uma realidade histórica complexa, o "espírito capitalista" não pode ser definido de maneira definitiva; trata-se de um paradigma, um "modelo ideal", que só poderá ser compreendido integralmente ao final da investigação.
Weber cita Benjamin Franklin na tentativa de ilustrar o tal "espírito". Este se refere à sistematização e a otimização de nosso trabalho, como se reconhecêssemos nele uma vocação divina. A grande novidade se refere ao fundo ético presente nessa postura: de fato, não seria muito difícil encontrar, muito antes da reforma protestante, exemplos que se encaixam perfeitamente nesse modelo, com a diferença,
alas!, de que esses exemplos eram impulsionados por motivos que nem de longe correspondem a nossa área de interesse. Explica-se: o desejo desenfreado por acúmulo de dinheiro e riquezas em geral, obtido possivelmente através da disciplina no trabalho, também existe desde que o homem é homem. O surgimento de um novo estilo de vida que entende essa racionalização de esforços não como meio de suprir demandas utilitaristas (na acepção mais vil do termo), mas como uma necessidade, um norte ético e um fim em si mesmo, é, segundo argumenta Weber, a própria encarnação do "espírito capitalista" em nosso cotidiano. As implicações da implementação desse espírito na esfera econômica dispensa comentários; cumpre investigar, então, suas origens.
É mais ou menos óbvio que o capitalismo, tal como hoje se apresenta, dispensa motivos religiosos para explicar seu funcionamento. Isso não significa, claro está, que o tal "espírito" revolucionário descrito por Weber não tenha raízes religiosas. Weber enxerga no calvinismo (e nas seitas por ele influenciadas) os preceitos dogmáticos que, uma vez em contato com o mundo secularizado, teriam contribuído para o desenvolvimento do "espírito". O significado corrente da palavra alemã
Beruf ("calling", "vocação", "chamado") remonta à tradução, sob a responsabilidade de Lutero, da Bíblia. Nada obstante, a teoria da predestinação (que, como veremos, tem uma relação íntima com o "espírito"), é essencialmente calvinista. Segundo nos conta Calvino, Deus, do alto de sua glória, decide de antemão quem são os "escolhidos" e quem são os "danados". Seria de uma puerilidade tipicamente humana supor que nossos atos nesse mundo poderiam influenciar a decisão divina, que, precisamente por ser divina e anterior a nossa existência, não pode de maneira alguma ser alterada, ainda que paremos de fumar e salvemos um mico-leão dourado por dia. A mente contemporânea provavelmente reagiria a esse terrível determinismo com um
to hell with it, mas, numa época em que a salvação da alma tinha uma importância maior que a do futebol nos dias que correm, eram poucos os que ousariam ser tão relaxados a respeito.
Que escolha resta ao calvinista extremado, que se sabe com o destino inalienavelmente selado antes mesmo de sair das fraldas? A primeira consequência parece ser um sentimento exasperante de solidão: se é verdade que ainda vale a máxima latina "não há salvação fora da igreja", sabe-se também que esse preceito adquiriu, com o calvinismo, um viés negativo: de fato, não há salvação fora da igreja, mas nada garante que dentro dela será diferente. O fiel pode, no máximo, certificar-se de que é um dos escolhidos (assim como Calvino estava certo de que o era) através de uma total submissão a sua "vocação". Todos os nossos esforços aqui na Terra não seriam suficientes para demover Deus de sua posição original (sabemos que a mera sugestão é absurda), mas é de se esperar que os escolhidos ajam como tais, isto é, que façam de suas vidas o melhor proveito possível. Do ponto de vista econômico, isso significa sucesso contínuo e inquebrantável, sem pausas para a fruição mundana (altamente condenável) das vantagens conquistadas. Agora entendemos bem por que o rufião antigo ou o usurário medieval nada têm que ver com o "espírito" na acepção dada por Weber.
Weber evita qualquer juízo de valor referente ao
corpus dogmático por ele analisado; restringe-se apenas às implicações concretas, para o
comportamento humano, do surgimento desse novíssimo "espírito". Ainda assim, saúda-nos com o julgamento proferido por John Milton acerca do Deus calvinista:
May I go to hell, but such a God will never compel my respect. O leitor mandrião pode respirar aliviado: ainda que vá para o inferno, certamente irá com numerosa companhia.
Resta comentar o conceito de
innerworldly asceticism (em oposição ao
otherworldly asceticism), constantemente empregado por Weber para descrever o "novo" capitalista. Ele observa que
If one should wish to apply these concepts, however, then apart from the observations already made, a number of others, which readily present themselves, could even suggest that the supposed antithesis between "unworldliness", "asceticism", and religious piety, on the one hand, and participation in capitalist commerce, on the other hand, might in fact amount to an inner affinity.
É precisamente esse o paradoxo desenvolvido pelo dogma calvinista: o mesmo asceticismo que com os monges católicos servia de mote para uma abstração do mundo material é, agora, transplantado para o mundo secularizado na forma de uma meticulosidade inarredável no cumprimento do "destino" ou "vocação" de cada um. É o que Weber chama de asceticismo protestante. A necessidade de "testar-se a si mesmo" através do trabalho duro e disciplinado que a reforma protestante (liderada pelo calvinismo) incutiu em seus seguidores representa, conclui Weber, fator determinante (mas não único, e esse é um ponto enfatizado à exaustão) para o desenvolvimento do estilo de vida responsável pela propulsão econômica de regiões como a atual Holanda, Inglaterra, sul da França e,
last but not least, Estados Unidos. David Landes, numa tentativa crua mas não inexata de resumir a contribuição de Weber para a sociologia da religião, afirma que
Max Weber was right. If we learn anything from the history of economic development, it is that culture makes almost all the difference.