06 fevereiro, 2009

Post sobre o jornalismo brasileiro

O conservador brasileiro, não sem certa razão, sempre se refere com um nojinho incontido às peripécias que enchem os jornais. Muito mais edificante falar sobre poesia, religião ou Monica Bellucci. Há aí um problema de prioridades: como disse o Pereira Coutinho numa entrevista recente, discutir detalhes teológicos no país do mensalão é como querer dançar valsa na tempestade, ou algo assim. Ouçamos o filósofo Paulo Betti: às vezes é preciso sujar as mãos.

A situação da Veja é particularmente irritante. Se existe uma revista que deve inspirar preocupação, essa revista é a Veja, que é a mais lida. E quem mais escreve nela, pelo menos nas últimas edições, é o Andre Petry: tem uma coluna e é responsável pelas matérias sobre as eleições nos EUA. Vejam as bobagens que o sujeito é capaz de escrever: O que mais provocou a simpatia mundial por Obama, conforme se lê nas pesquisas feitas em dezenas de países, é um conjunto de características para as quais Obama jamais chamou atenção porque espanta o voto do americano médio. A saber: sua negritude, sua urbanidade, seu traquejo político, sua formação acadêmica de elite.

Petry garante que formação acadêmica de elite espanta o voto do americano médio. Agora me ajudem com a contagem de presidentes americanos que frequentaram Harvard: John Adams e seu filho, John Quincy Adams; Theodore Roosevelt; Franklin Roosevelt; John Kennedy. Esses 5 são bem conhecidos; uma googlada rápida fornece o nome de mais dois, Rutherford Hayes e o próprio George W. Bush (master's degree). Em Princeton formaram-se dois, James Madison e Woodrow Wilson. Em Stanford, o engenheiro Hoover. Em Yale, Bush pai, Bush filho e Taft. Um em Goergetown, um em Duke, quatro na William & Mary College, um em Columbia, um em Dickinson, um em Williams. Traquejo político também é impopular, segundo Petry. Não faço idéia de onde ele tirou isso. Então o povo americano prefere os mais burocráticos, os mais enrolados?

Petry repete religiosamente os lugares-comuns mais batidos -- e mais desacreditados por quem se deu ao trabalho de estudar -- sobre a história dos EUA, como afirmar que o New Deal salvou a economia americana pós-29, que a administração de Harding (1921-23) foi a mais corrupta, que Nixon abusou dos poderes de presidente mais que seus antecessores, que quem se opunha ao movimento aboliciosta era necessariamente racista e por aí vai. Ao fazer um balanço do governo de W Bush, lembra displicentemente que Bush chegou dizendo que faria um governo "para unir, não para dividir", e agora entrega um país com duas guerras (Iraque e Afeganistão), um déficit monumental (já na casa do trilhão de dólares) e uma economia em frangalhos (a pior crise desde a II Guerra Mundial), como se a crise econômica fosse de responsabilidade dele e como se a decisão de entrar numa guerra não passasse de mero capricho pessoal (se perguntado, Petry provavelmente responderia que sim, que não passa de mero capricho pessoal).

Num quadro com as colunas 'O mundo pensa que... / Mas os Estados Unidos pensam que...', Petry mostra que não deveria se arriscar a falar por uma nação que ele desconhece, ou conhece apenas através do NY Times: ... o eleito merece todo o entusiasmo de que é objeto, como é natural em qualquer eleitorado do mundo. Torcem para que Obama resolva os problemas (no kidding?), mas não há nenhum sinal (nem procissão, nem comoções públicas, nem pedidos de benção) de que o julguem portador de superpoderes... É de surpreender, então, que eleitores conservadores americanos tenham inventado os epítetos the Anointed One, the Chosen One etc. para Obama -- certamente Petry não considera (mas sabe-se lá, né) desprezível a parcela conservadora do eleitorado americano.

É natural ver simplificações numa revista cujos artigos raramente ultrapassam as duas páginas; pode-se sempre falar em didatismo ou algo que o valha. Difícil de entender é que noções tão bobas -- bobas até entre setores da esquerda americana, principalmente agora que já explodiram os primeiros escandândalos da era Obama -- ocupem tanto espaço no semanário mais lido do país. Quando é na Veja o Reinaldo Azevedo não reclama...

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O Papa Bento XVI é um “des-reformador” e como todos os conservadores, ele quer que tudo esteja igual, que não haja marolas, nem discordâncias, nem heresias. E aí comete gafes papais. O trecho é do Arnaldo Jabor. Segundo Jabor, melhor seria se o papa admitisse heresias; só assim pra evitar 'gafes papais'. Um conselheiro assim é exatamente o que o Vaticano precisava.