Depois que li esse post fiquei com vontade de dizer que smoking is the new gay. É divertido acompanhar a postura das pessoas diante de características marginais, como fumar, ser conservador, ser judeu etc. Vivemos um momento auspicioso nesse sentido: para quem nasceu no intervalo que vai do final da 2a. grande guerra até meados dos anos oitenta, anti-semitismo (deve ter perdido o hífen, mas dane-se) é absurdo inconteste até pra quem se limita a visitar o cinema nas horas vagas. O bombardeio de obras sobre o Holocausto nos ensina a encará-lo como algo inefável, coisa de maluco mesmo. Faça esse experimento: pergunte a um transeunte qualquer sobre a origem do anti-semitismo; se ele for além da ladainha sobre grandes corporações, concentração de dinheiro e financiamento de guerras, dê-se por satisfeito. Não sei se é só nas ocasiões em que a oportunidade tentadora de malhar a política externa americana aparece (na cabeça dessa gente, EUA = Israel) ou se é algo mais geral, mas até essa aversão instintiva ao anti-semitismo parece estar desaparecendo. Isso mesmo: o governo brasileiro já pode equiparar judeus e nazistas e passar incólume, sem que judeus sovinas saiam cobrando dívidas em carne humana por aí.
Segundo nos conta Hannah Arendt, houve um tempo em que não havia nada mais charmoso que ser judeu -- evidentemente, antes de eles serem de fato odiados. Compreende-se bem: é o charme do diferente, da minoria, do excêntrico. O próprio Disraeli, também ele judeu, teria (ainda não tenho opinião formada sobre ele) contribuído com a pantomima. Pois bem: smoking is the new gay, e isso significa despertar um conjunto amplo mas não ilimitado de reações, a depender do momento histórico, assim como acontece com o gay ou com o conservador. O conservador desperta incredulidade no Brasil de hoje; já nas plantations da Virginia do início do séc. 19, era só mais um. O gay nessas mesmas plantations era um pária; hoje é acolhido e festejado em toda parte, assim como o escravo de ontem é hoje recebido no ensino superior a despeito de seu mérito intelectual. Fico me perguntando, assim como Romerito José inquiria Sto. Agostinho, se chegará a época em que fumantes e conservadores (ou judeus, uma vez mais) serão mandados para o forno, isto é, se tudo muda o tempo todo.
Se não muda, podemos estar certos de que não é graças à constatação, a qual todos os homens chegariam independentemente, de que existem valores atemporais. Alguns poucos chegam a essa constatação e nos fazem o favor, na medida de seus talentos, de incuti-las no imaginário popular. Forçoso é dizer: guiamo-nos por preconceitos bem mais do que estamos dispostos a reconhecer (e vejam que desastre se assim não fosse, se tívessemos de esperar que cada um formasse sua idéia sobre cada bloco civilizacional). Coleridge dizia, e sabemos por experiência, que nem nas classes mais privilegiadas da mais grandiosa civilização seria razoável encontrar mais que alguns poucos dedicados à especulação filosófica. O otimismo dos philosophes parece particularmente ingênuo numa época em que até aritmética básica aterroriza muitos ditos letrados. Os raros momentos em que o homem consegue erguer-se um pouco pra observar sua condição miserável certamente não são obra da tão alardeada Razão. No dizer de Disraeli (de novo ele), It was not Reason that besieged Troy; it was not Reason that sent forth the Saracen from the Desert to conquer the world; that inspired the Crusades; that instituted the Monastic orders; it was not Reason that produced the Jesuits.
O triunfo da imaginação sobre a razão fica evidente se repassamos as idéias que ressoam com mais intensidade entre as intelligentsias: a visão apocalíptica de Marx, os sonhos de Freud, o caos de Derrida. Todas elas têm um quê de inebriante e difuso e, apesar de procurarem se apresentar como flores da racionalidade, são só isso: visões. Visões que dependem de uma imaginação muito poderosa pra fazê-las sobreviver a despeito da e muitas vezes em oposição à racionalidade que dizem representar. Mais que pesquisas científicas desacreditando os males que o fumo causa à saúde, a turma dos fumantes precisa de alguém que nos lembre por que houve um tempo em que era fashionable fumar.
Segundo nos conta Hannah Arendt, houve um tempo em que não havia nada mais charmoso que ser judeu -- evidentemente, antes de eles serem de fato odiados. Compreende-se bem: é o charme do diferente, da minoria, do excêntrico. O próprio Disraeli, também ele judeu, teria (ainda não tenho opinião formada sobre ele) contribuído com a pantomima. Pois bem: smoking is the new gay, e isso significa despertar um conjunto amplo mas não ilimitado de reações, a depender do momento histórico, assim como acontece com o gay ou com o conservador. O conservador desperta incredulidade no Brasil de hoje; já nas plantations da Virginia do início do séc. 19, era só mais um. O gay nessas mesmas plantations era um pária; hoje é acolhido e festejado em toda parte, assim como o escravo de ontem é hoje recebido no ensino superior a despeito de seu mérito intelectual. Fico me perguntando, assim como Romerito José inquiria Sto. Agostinho, se chegará a época em que fumantes e conservadores (ou judeus, uma vez mais) serão mandados para o forno, isto é, se tudo muda o tempo todo.
Se não muda, podemos estar certos de que não é graças à constatação, a qual todos os homens chegariam independentemente, de que existem valores atemporais. Alguns poucos chegam a essa constatação e nos fazem o favor, na medida de seus talentos, de incuti-las no imaginário popular. Forçoso é dizer: guiamo-nos por preconceitos bem mais do que estamos dispostos a reconhecer (e vejam que desastre se assim não fosse, se tívessemos de esperar que cada um formasse sua idéia sobre cada bloco civilizacional). Coleridge dizia, e sabemos por experiência, que nem nas classes mais privilegiadas da mais grandiosa civilização seria razoável encontrar mais que alguns poucos dedicados à especulação filosófica. O otimismo dos philosophes parece particularmente ingênuo numa época em que até aritmética básica aterroriza muitos ditos letrados. Os raros momentos em que o homem consegue erguer-se um pouco pra observar sua condição miserável certamente não são obra da tão alardeada Razão. No dizer de Disraeli (de novo ele), It was not Reason that besieged Troy; it was not Reason that sent forth the Saracen from the Desert to conquer the world; that inspired the Crusades; that instituted the Monastic orders; it was not Reason that produced the Jesuits.
O triunfo da imaginação sobre a razão fica evidente se repassamos as idéias que ressoam com mais intensidade entre as intelligentsias: a visão apocalíptica de Marx, os sonhos de Freud, o caos de Derrida. Todas elas têm um quê de inebriante e difuso e, apesar de procurarem se apresentar como flores da racionalidade, são só isso: visões. Visões que dependem de uma imaginação muito poderosa pra fazê-las sobreviver a despeito da e muitas vezes em oposição à racionalidade que dizem representar. Mais que pesquisas científicas desacreditando os males que o fumo causa à saúde, a turma dos fumantes precisa de alguém que nos lembre por que houve um tempo em que era fashionable fumar.
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